Inovação sem fronteiras

A AB InBev utilizará a tecnologia Flowe da I.Systems para aumentar a eficiência das linhas de produção em suas fábricas nos Estados Unidos. O Departamento de Defesa (DoD) dos Estados Unidos escolheu a Griaule Biometrics como fornecedora de sistema de identificação e certificação de dados biométricos de mais de 80 milhões de cidadãos do Iraque e Afeganistão. E a GM norte-americana, assim como a Peugeot, na Alemanha, adotaram recentemente sistema inteligente de inspeção de qualidade de peças desenvolvido pela Autaza Tecnologia .

Além do apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, essas empresas têm em comum a mesma visão de negócios: a de que a inovação tecnológica não deve conhecer fronteiras. “A FAPESP espera e incentiva que as empresas do PIPE tenham alvos mundiais, o que é levado em conta na seleção dos planos de negócios dos projetos de pesquisa mais promissores. Romper os limites do mercado interno precisa ser um desafio permanente para a indústria no Brasil, especialmente quando beneficiada por subsídios com recursos do contribuinte”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

“O processo de internacionalização da I.Systems começou em 2016, quando introduzimos a Leaf na mineradora BHP, na Austrália”, conta Igor Santiago, presidente da empresa instalada em Campinas. Produto de estreia da I.Systems no mercado, a tecnologia Leaf utiliza inteligência artificial para o controle e estabilização de processos industriais. Apoiada pelo PIPE e pelo programa PIPE/PAPPE Subvenção – uma parceria da FAPESP com a Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep) – e com pedidos de patente nos Estados Unidos, Canadá, Índia e A ustrália, a tecnologia já foi adotada por indústrias de setores diversos como agronegócio, química, papel e celulose, além de mineração, entre outros.

Mas foi com o seu segundo produto, o Flowe, baseado em machine learning, que a empresa chegou à Ambev que a recomendou à holding, a AB Inbev, a maior cervejaria do mundo. “Ainda neste primeiro semestre teremos os primeiros projetos rodando nos Estados Unidos”, afirma Santiago.

A tecnologia Flowe se diferencia de produtos similares da concorrência em dois quesitos estratégicos: o tempo de implantação – um mês, no caso do Flowe; seis meses a dois anos, no caso da concorrência – e o modelo de comercialização. “Utilizamos a modalidade de contrato Saas (Software as a service): o cliente paga por mês”, resume Santiago.

Crescendo a uma taxa de 50% ao ano nos últimos cinco anos, a I.Systems tem previsões ambiciosas para o próximo quinquênio. “O plano é atender o mercado da América do Sul a partir da operação no Brasil e ter presença forte nos Estados Unidos”, prevê Santiago.

Inovação competitiva

A multimodalidade do software desenvolvido pela Griaule – identifica indivíduos por impressões digitais e palmares, voz, imagens faciais e íris – garantiu à empresa de Campinas um contrato de US$ 75 milhões com o DoD em setembro do ano passado. No mês seguinte, a Griaule foi escolhida também pelo Departamento de Segurança Pública do estado norte-americano do Arizona para auxiliar investigações policiais e de antecedentes criminais de funcionários públicos.

A Griaule contou com o apoio do PIPE da FAPESP no desenvolvimento de três projetos: o aprimoramento de seu sistema de identificação por impressões digitais e de reconhecimento da face e na criação de um sistema de identificação de voz . “Sem o apoio financeiro da FAPESP, não teríamos chegado a esse ponto”, disse Iron Daher, diretor-presidente da empresa, à revista Pesquisa FAPESP (Saiba mais sobre o contrato da Griaule com o Pent&a acute;gono em reportagem da revista Pesquisa FAPESP).

O caráter inovador do sistema de inspeção inteligente abriu à Autaza, de São José dos Campos, os mercados norte-americano e europeu. A história remonta a 2016, quando três pesquisadores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) desenvolveram, em parceria com a General Motors (GM), em São Caetano do Sul, o protótipo de sistema que utiliza visão computacional e inteligência artificial para detectar defeitos na carroceria de veículos, em substituição à inspeção visual.

Além de testar a tecnologia, a GM autorizou o uso da propriedade intelectual do sistema – assim constituiu-se a Autaza – e ainda o adotou nas fábricas dos Estados Unidos e da Alemanha, onde, até 2017, produzia a marca Opel – a unidade alemã foi posteriormente vendida para a Peugeot e BNP Paribas, mas segue cliente da Autaza.

A mesma tecnologia de inspeção inteligente também é utilizada para identificar defeitos na pintura de materiais compósitos utilizados pela aeronáutica, o que abriu à empresa um outro mercado, trazendo clientes do porte da Embraer.

A Autaza, agora, está abrindo uma subsidiária em Ann Arbor-Michigan, próxima a Detroit, berço da indústria automobilística mundial, e a três horas de Chicago, sede da Boeing. As operações de venda serão iniciadas em abril deste ano. “O escritório fica na Aceleradora de Negócios Spark. Além de expandir mercados, o objetivo é homologar nossos sistemas nas principais montadoras mundiais e fechar acordos comerciais com parceiros locais”, afirma Renan Padovani, sócio da empresa.

A Autaza teve apoio da FAPESP no desenvolvimento do algoritmo de classificação de defeitos em carrocerias e no desenvolvimento industrial e comercial do produto. “Estamos agora criando o primeiro scanner 3D nacional para detecção de defeitos e implementando a robótica em nosso sistema de inspeção”, resume Padovani.

EUA: um mercado em expansão

Além da Autaza, várias empresas apoiadas pelo PIPE já se instalaram fisicamente no mercado norte-americano. É o caso da Finamac, fabricante de máquinas de sorvete, em São Paulo, com 60 empregados. “Tínhamos um escritório nos Estados Unidos e, agora, temos também um galpão e cinco funcionários responsáveis pela montagem dos equipamentos”, diz Marino Arpino, fundador da Finamac.

O investimento se justifica: o mercado norte-americano representa 50% do faturamento da empresa e a tendência é de crescimento. “Estamos negociando a distribuição com uma empresa que atende o mercado de fast-food. Vamos sair da venda no varejo para o atacado”, ele prevê. A empresa também aposta na receptividade do mercado para duas novas linhas de produtos que está desenvolvendo com o apoio do PIPE: uma nova tecnologia para picolé industrial, em fase de patenteamento, e uma máquina multifuncional robotizada para a fabricação de picolés. “Os dois produtos foram concebidos especificamente para o mercad o norte-americano; todos os componentes são americanos. O custo de importação inviabilizaria a fabricação aqui no Brasil”, justifica.

Outro exemplo é o da Agrosmart, de manejo integrado de pragas, instalada em Campinas, com clientes no México, Guatemala, Peru, Honduras Colômbia e Israel e que, recentemente, instalou uma subsidiária nos Estados Unidos. “O carro-chefe de nossas vendas externas são as tecnologias de monitoramento climático, envolvendo controle de pragas e previsão meteorológica, que utilizam inteligência artificial para soluções mais assertivas”, diz Marcus Sato, engenheiro agrônomo da empresa.

Além de vendas, a subsidiária norte-americana da Agrosmart é estratégica para a sua cadeia de suprimentos, prospecção de clientes do segmento corporativo e investimento de venture capital. “Começamos o nosso processo de internacionalização em 2018, e em 2019, a meta é aumentar esse esforço. A estratégia é consolidar a empresa como principal plataforma de agricultura digital na América Latina”, afirma Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart.

A empresa está desenvolvendo uma armadilha automática para pragas com apoio do PIPE/PAPPE Subvenção .

A caminho da China

Algumas das empresas apoiadas pelo PIPE concebem a inovação mirando o mercado externo. A Hoobox Robotics, que desenvolveu plataforma de reconhecimento facial, batizada com o nome de Wheelie, que traduz expressões do usuário em comandos para cadeira de rodas, arquitetou seu plano de negócios de olho em demanda dos Estados Unidos. Hoje, a empresa tem cerca de 60 clientes em 14 estados norte-americanos e “uma lista de espera de 300 pessoas”, conforme Paulo Gurgel Pinheiro, CEO da Hoobox.

Desde 2018, integra um programa de aceleração da Intel, o AI for Social Good, com o apoio do qual pretende otimizar o desempenho dos algoritmos do sistema de reconhecimento facial utilizando hardwares e softwares da empresa. Na edição de 2019 da Consumer Eletronics Show (CES), em Las Vegas, a plataforma da Hoobox foi destaque no estande da Intel.

A empresa está abrigada na Eretz bio, incubadora de startups da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, em São Paulo, e incubada no JLabs Houston, no Texas, da Johnson&Johnson. E, desde o final do ano passado, começou a instalar uma subsidiaria em Suzhou, na China, que oferecerá a tecnologia de reconhecimento facial para uso em segurança. “Atenderemos, inicialmente clientes em Shanghai, Qingdao, Nanjing e Shenzhen”, conta Pinheiro (saiba mais sobre a Hoobox e sua expansão internacional em agencia.fapesp.br/29630/agencia.fapesp.br/23139/; e pesquisaparainovacao.fapesp.br/802).

Pinheiro tem planos de trazer Wheelie para o Brasil, mas antevê alguns obstáculos em relação ao modelo de negócios. “Nos Estados Unidos não cobramos pelo kit; utilizamos o modelo de assinatura que custa US$ 300 por mês, o que não parece funcionar bem no Brasil”, justifica.

A Hoobox teve recursos do PIPE da FAPESP na fase de teste da tecnologia e segue apoiada pela Fundação no desenvolvimento de novas funcionalidades do produto.

A CFlex, de Campinas, também tem, atualmente, clientes exclusivamente no exterior. A empresa desenvolveu ferramenta de planejamento de tráfego ferroviário – que permite a gestão da circulação dos trens, cruzamentos, tempos de parada, alocação de equipe de maquinista, dentre outros, implantada na mineradora Rio Tinto, na Austrália; na Ferrosur Roca, na Argentina; e na Empresa de los Ferrocarriles del Estado (EFE), no Chile.

“O primeiro PIPE, em 2004, teve como foco o desenvolvimento da solução por meio de parcerias com ferrovias nacionais. Seguindo o plano inicial, cerca de alguns anos depois o produto passou a ter como alvo as ferrovias no exterior”, afirma Carlos Eduardo Carneiro, vice-presidente e CFO da empresa. “O mercado nacional é pequeno para este tipo de solução”.

Inicialmente voltada para o transporte de cargas, a ferramenta CFlex Movement Planner (CMP) incorporou, nas fases 2 e 3 do PIPE, um gerenciador de algoritmos – o Meta Planning – que permite a sua utilização em outras modalidades de transportes como, por exemplo, trens de passageiros ou em operações mistas. “Dependendo do tipo de operação da ferrovia, o gerenciador define qual algoritmo utilizar para produzir o melhor resultado”, explica Carneiro.

A empresa investe no Meta Planning para expandir o mercado. “Na fase atual do PIPE, a estratégia é aumentar a visibilidade da CFlex, do CMP e do seu componente Meta Planning, por meio da participação em feiras ferroviárias com estande próprio e da publicidade em revistas especializadas, na internet, Youtube e Google Adwords, com foco principal nos mercados da Austrália, Europa, Estados Unidos e Canadá.”

Todos os projetos, ele sublinha, foram desenvolvidos com apoio da FAPESP, nas fases 12 e 3 do PIPE.

Garantia de qualidade

A inserção de um produto nos mercados nacional ou internacional pode exigir certificações, seja da empresa ou do produto. A Kryptus, empresa de segurança de informação instalada em Campinas – que tem entre seus clientes no Brasil a Savis, subsidiária da Embraer, o Centro de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército de Brasileiro (CCOMGEX) e a Mectron Comm, entre outras –, é qualificada como Empresa Estratégica de Defesa (EED) pelo Ministério da Defesa, e alguns de seus produtos são homologados junto à ICP-Brasil – Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI).

No Brasil, as duas certificações abrem à Kryptus tanto o mercado formado por órgãos do Estados – o Exército Brasileiro, Receita Federal, Tribunal Superior Eleitoral, entre outros, são clientes –, como o mercado privado – Valid Certificadora, Certisign, OKI, além de diversas universidades como a de São Paulo (USP), por exemplo.

A carteira de clientes no exterior começou a crescer em 2016, quando a empresa foi investida por um grupo Suíço – que detém 15% de seu capital. “Hoje, entre 30% e 40% do faturamento da empresa correspondem a exportação da tecnologia para a América Latina (Colômbia, Peru e Chile), Europa e Estados Unidos”, diz Roberto Gallo, sócio da empresa.

O desafio agora, ele diz, é obter a certificação norte-americana FIPS 140-2, emitida pelo National Institute of Standards and Technology (NIST), para o seu produto kNET. “O processo já está em curso e nossa expectativa é obter a certificação ainda este ano. A partir daí, não teremos mais fronteiras”, diz Gallo.

Apoiada pelo PIPE, a empresa desenvolveu um módulo criptográfico de alto desempenho (HSM), testou a viabilidade técnica de sua aplicação em nuvem, e, com recursos do PIPE/PAPPE Subvenção, preparou o produto para a sua comercialização no mercado interno e externo.

 

FONTE: FAPESP