Diário Campineiro | Inovação tecnológica projeta Campinas e volta seus olhos para demandas sociais

Foto de corredor onde circulam diversas pessoas por estandes de expositores. Fim da descrição.

Texto:Claudio Liza Junior | Foto: Pedro Amatuzzi

Um dos principais polos tecnológicos do País, Campinas exibe, além de força econômica, também problemas comuns às grandes cidades, seja na saúde, mobilidade, segurança, distribuição de renda, entre outros. Problemas de responsabilidade direta dos governos, mas que tampouco devem ser estranhos a esse ambiente de inovação. Ao contrário, cada vez mais, em todo o mundo, a aposta no tripé poder público, institutos de pesquisa e iniciativa privada se mostra fundamental para melhorar a vida das pessoas – e localmente, muita gente já trabalha para impedir que as soluções tecnológicas descobertas por aqui fiquem confinadas nos centros acadêmicos.

No início deste mês, a 9ª edição do Inova Trade Show, no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), deu uma boa mostra do potencial do “ecossistema de inovação” campineiro para tornar mais sustentável o cotidiano da população, além de inserir definitivamente a Região Metropolitana de Campinas (RMC) na nova economia global. Em dois dias, o evento atraiu mais de 1,2 mil pessoas, de 13 estados, para ver de perto as novidades, além de participarem de painéis e palestras. A iniciativa foi promovida pela Fundação Fórum Campinas Inovadora e pela primeira vez recebeu um Road Show Tecnológico, organizado pela consultoria e empresa-filha da Unicamp, Alcance Innovation, que incentivou parcerias entre institutos e empresas com ações voltadas a três demandas da sociedade: Saúde, Energia e Alimentos.

No espaço do Road Show, 31 agentes de inovação, de Campinas, região e de outros estados, apresentaram suas competências e pesquisas, e se reuniram para uma troca de ideias e possíveis conexões futuras. Entre as exibições estiveram pesquisas importantes desenvolvidas na cidade, como a de um equipamento para “treinar” a musculatura de doentes respiratórios; uma cadeira motorizada para crianças com paralisia cerebral; combustível combinando etanol e eletricidade; laboratório de energia sustentável; e até microencapsulação de substâncias saudáveis para inserir nos alimentos.

O aparelho para terapia muscular respiratória (TMR), desenvolvido pela Unicamp e protegido com pedido de patente depositado pela Agência de Inovação Inova Unicamp, foi apresentado pela fisioterapeuta Luciana Campanatti Palhares. Seu uso, segundo ela, é voltado à reabilitação de pacientes debilitados por doenças que impactam a oxigenação do sangue, como câncer de pulmão, asma e enfisema pulmonar.  “Quando desenvolvemos algumas doenças pulmonares, elas afetam todo sistema de inspirar e expirar o ar. E para saber se nosso sistema de medição era viável, estabelecemos medidas para avaliar essa força muscular. O objetivo é fortalecer a estrutura respiratória, atenuando as doenças que atingiram esses pacientes”, revelou.

O dispositivo auxilia no tratamento exercendo resistência à passagem do ar expirado e inspirado. O paciente precisa fazer força para vencer a carga pré-estabelecida que impõe uma barreira física, isso promove o fortalecimento dos músculos e melhoria da respiração como se fosse um “treinamento físico” para o pulmão.

Uma das preocupações ao elaborar e testar os protótipos foi o uso de materiais com menor custo, aproveitando estrutura plástica e evitando importações, para viabilizar a aquisição do aparelho para a maior fatia possível dos hospitais. A presença da médica no Road Show foi voltada a buscar parcerias com empresas de saúde, para produção em larga escala do equipamento.

Já pela Faculdade de Engenharia Elétrica da PUC-Campinas, o professor Amilton Lamas apresentou os resultados animadores de um projeto de extensão da universidade voltado a atender pessoas com mobilidade reduzida, em especial crianças. Do projeto nasceu uma cadeira guiada por joysticks (controles) que podem ser acionados pelas pessoas com paralisia cerebral com qualquer parte do corpo, como a barriga, uma inovação classificada recentemente como a quarta melhor iniciativa no prêmio global Millions of Reasons.

Lamas revelou que a cadeira guiada surgiu de uma percepção dele e de um aluno sobre as portas corta-fogo dos cinemas, que muitos empurram com o corpo, sem usar as mãos. “Muitos pais evitam colocar filhos com paralisia em cadeira de rodas pois entendem que fazer isso seria reconhecer uma limitação. Mas isso não existe, eles não têm limitação, nós é que temos de parar de pôr limites para PCDs (pessoas com deficiência)”, disse.

O professor contou ainda que esse e outros projetos são feitos dentro da extensão, com alunos voluntários e apoio de pesquisadores parceiros de universidades. Eles incluem outras tecnologias importantes como ativação muscular com sinais elétricos e até um monitor de caminhada de idosos com mobilidade reduzida, que ativa sinal nos celulares de outro usuário caso ocorra uma queda ou outro problema, para rápido socorro.

Pesquisador do Cine (Centro de Inovação em Novas Energias), com sede na Unicamp, Gustavo Doubek, expôs sobre a divisão de armazenamento avançado de energia do centro, que trabalha com institutos parceiros e empresas em projetos de energia sustentável – como ampliação da capacidade de armazenamento, inovação computacional de sistemas e novas células fotovoltaicas.

Nessa indústria, um dos maiores desafios atuais é ampliar a duração de baterias para armazenamento de eletricidade, ainda longe de dar a autonomia que um combustível líquido dá para um carro, por exemplo. Como alternativa, ressalta, o Cine trabalha no uso de biocombustível combinado com eletrificação, um sistema com ganhos ambientais e de autonomia. “O Brasil já produz etanol, então é importante usar e agregar uma tecnologia que já tem uma cadeia de valor no país, e que faz sentido para nossos produtores. Essa solução de usar etanol para gerar energia elétrica precisa de vários braços para se tornar realidade”, afirmou.

Outro grande projeto apresentado foi o Campus Sustentável da Unicamp, iniciado em 2017 em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e CPFL Paulista, considerado o maior “laboratório vivo” da América Latina de energia sustentável. Os pontos do programa foram exibidos por alunos e pelo consultor/colaborador da universidade Ubiratan Castellano.

Além dos testes e compilação de resultados sobre o uso da energia sustentável no campus – em grande parte, fotovoltaica -, o projeto já partiu para atender demandas externas, como o fornecimento de energia limpa para estruturas do serviço público ligadas ao governo do Estado de São Paulo. “Nossos projetos são sempre voltados para fora, a ideia é usar a universidade para levar experimentos à sociedade, por isso temos essa parceria com o Estado”, afirmou Ubiratan.

Izabela Alvim, pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) apresentou as pesquisas que desenvolve em microencapsulação de produtos alimentícios no Centro de Tecnologia de Cereais e Chocolates da instituição. O trabalho ocorre para auxílio a empresas interessadas em lançar novos produtos e também outros centros de pesquisa. “É uma frente que vem para agregar saúde a alguns alimentos. O ômega 3, óleo de peixe, por exemplo, é difícil de colocar em sucos, chocolates, pois sempre há um resíduo no sabor. Com a microencapsulação, pode ser agregada”, revelou.

A técnica garante também alternativas como liberação controlada – com maior durabilidade – de substâncias líquidas em gomas de mascar. “Um aluno uma vez quis encapsular frutas, achou o sabor sem graça e teve a ideia de encapsular um subproduto, que é a goiabada. Testamos em bolo, pão de queijo”, contou.

Cerca de 100 conexões entre pesquisa e mercado

Mabel Alvarado, fundadora da Alcance Innovation Consulting, empresa com sede em Campinas que presta consultoria jurídica e de gestão na área de inovação – e que organizou o Road Show Tecnológico – avaliou que os 31 expositores recebidos puderam trocar contatos com ao menos outros três, o que poderá resultar em cerca de 100 conexões futuras para encaminhamento de novos negócios e soluções.

Uma das conexões formadas no Road Show foi entre o braço de pesquisa da Bayer com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital). Segundo Renato Luzzardi, líder de inovação para P&D da Bayer, foi possível, após o encontro, alinhar novas etapas para futuros acordos. “O CNPEM, por exemplo, há muito tempo estava no nosso radar, de prospectar oportunidades de projeto de colaboração. Então, foi sem dúvida uma grande oportunidade de encontrar os colegas, até então os contatos eram virtuais.”

Davi Figueira, diretor da cervejaria Lamas, de Campinas, outra empresa-filha da Unicamp, também viu oportunidades de conexão, mesmo que a médio ou longo prazo, e com iniciativas que a princípio não teriam ligação direta com o seu negócio. “Mesmo sendo um evento rápido, existem conexões, às vezes próximas e que você nem sabia que existiam. Estava conversando com o pessoal do Parque Científico e Tecnológico da Unicamp e soube dessa nova empresa incubada da Incamp, Plasmotech, que faz desinfecção usando plasma, algo bem diferente.” Dentro do Grupo Lamas, ele criou a Cervejaria Cogumelo, que é uma incubadora de novas marcas de cerveja.

Natali Pereira dos Santos, analista de desenvolvimento do negócio da Libbs Farmacêutica, ressaltou a necessidade urgente de aproximação entre os atores da inovação no País, e disse acreditar que ainda faltam ações voltadas a “conectar as necessidades das empresas com as pesquisas desenvolvidas nas universidades”. “Por isso, considero a participação em eventos como esse muito relevantes”, afirmou.

Fórum aproximou startups do poder público

Durante o Inova Trade Show, o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), disse que evento “abriu oportunidade de encaminhamento de propostas de novas soluções em tecnologia para a Prefeitura”. A avaliação direta desse tipo de projeto pelo governo é propiciada por uma recente Lei de Inovação aprovada no Município – que desburocratiza a contratação de novas tecnologias. Ao menos 11 startups tiveram reuniões com representantes do poder público durante o fórum.

Segundo o presidente do Fórum Campinas Inovadora, Eduardo Gurgel do Amaral, o País tem grande capacidade para ser um player mundial no segmento de tecnologia, caso concentre investimentos na área. Ele reforçou ainda a importância do ecossistema de inovação da região de Campinas dentro desse contexto. Um projeto de referência, segundo ele, é a criação de um Polo de Inovação e Desenvolvimento Sustentável próximo à Unicamp, um projeto que une, além da universidade, também PUC-Campinas, institutos de ciência e tecnologia (ICTs) como CPqD e CNPEM, e a Prefeitura.

O polo será uma espécie de cidade-modelo que testará a aplicação de conceitos tecnológicos e sustentáveis de desenvolvimento e convivência. Atualmente, está em fase de debates com a sociedade civil para ser apresentado à Câmara pela Prefeitura, em forma de projeto de lei, para sua oficialização.

Para o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, o desafio do País é retomar uma fatia maior da indústria no seu Produto Interno Bruto (PIB), hoje em 11%, mas que já foi de 30%. Ele defendeu ainda que a inovação sirva para resolver problemas importantes da sociedade, seja na saúde ou na área de sustentabilidade. “Não existe inovação se os institutos não estiverem conectados com os atores do mercado, eles são o sensor de onde a inovação será aplicada.” Germano Rigacci Júnior, reitor da PUC-Campinas, valorizou a colaboração como base para a produção de conhecimento, e cobrou que os governos voltem seus olhos à educação, único caminho para formação de mão de obra qualificada e capacitação de jovens empreendedores.

Também presente, o presidente do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Campinas (RMC) e prefeito de Jaguariúna, Gustavo Reis (MDB), disse que “desburocratizar” a criação de novos negócios é um objetivo central para o incentivo ao empreendedorismo e inovação, além do investimento em pesquisa.

 

Matéria original publicada em Diário Campineiro.