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A imagem mostra a produção de filmes de biomateriais de grande área feitos no equipamento T-Cast. Fim da descrição.
Texto: Fapesp - Pesquisa para Inovação | Foto de capa: Divulgação/Autocoat

Pesquisadores da startup Autocoat, abrigada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica (Incamp) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo, desenvolveram um equipamento capaz de produzir filmes finos em escala de laboratório, a partir de materiais solúveis, com potencial de aplicação em pesquisas em várias áreas. Alguns exemplos são películas com propriedades adequadas para a fabricação de células solares de perovskitas – classe promissora de material para geração de energia fotovoltaica –, biomateriais para curativos e regeneração tecidual, além de novas formas de administração de fármacos e cosméticos.

O equipamento, concebido no âmbito de um projeto apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, baseia-se em uma técnica conhecida como blade coating. Por meio desse método, uma lâmina é usada para depositar materiais solubilizados em solvente sobre uma superfície rígida ou flexível. A lâmina então se move sobre a solução, espalhando-a uniformemente sobre a superfície, formando o filme fino.

Foto do produto desenvolvido pela Autocoat. A imagem mostra a película usada na fabricação de células solares de perovskitas.
Dispositivo desenvolvido por startup apoiada pelo PIPE-FAPESP permite gerar películas para a fabricação de células solares de perovskitas e de biomateriais para curativos, regeneração tecidual e novas formas de administração de fármacos e cosméticos | Foto: Divulgação/Autocoat

O BCC-02, como foi batizado o dispositivo, é capaz de produzir filmes com espessuras que podem variar de 10 nanômetros — cada nanômetro corresponde a um milionésimo de milímetro — a dezenas de micrômetros, “com qualidade semelhante aos obtidos por spin coating”, destaca a química Viviane Nogueira Hamanaka, sócia-fundadora da startup, referindo-se a um dos métodos mais conhecidos de produção de microfilmes.

No spin coating, o material em solução é depositado no centro de uma superfície lisa enquanto ela gira em alta velocidade, de tal forma que a força centrífuga espalha a solução sobre a superfície, formando o filme fino. “O problema é que muito do material se perde nesse processo, uma vez que a rotação o joga para fora”, explica Hamanaka. “Também é difícil conseguir reproduzir as características morfológicas dos filmes produzidos por spin coating em escala industrial”, diz a pesquisadora.

Segundo a pesquisadora, o BCC-02 é mais eficiente uma vez que usa até 20 vezes menos material solúvel, que também é aproveitado ao máximo na produção dos filmes finos, cujas dimensões, em geral, são de até 7 x 7 centímetros. “Os filmes produzidos pelo equipamento apresentam ainda excelente uniformidade e alto grau de reprodutibilidade”, afirma a química.

Tecnologia surgida na universidade

A Autocoat nasceu em 2020, durante o doutorado de Hamanaka em engenharia elétrica na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). “Eu trabalhava com métodos de produção de diodos orgânicos emissores de luz [Oleds, na sigla em inglês], utilizados em telas de TV, de celulares e de computadores”, diz Hamanaka.

Foto de Viviane Hamanaka, fundadora da Autocoat. Na imagem, ela usa uma blusa azul, de manga curta. Ela encontra-se em um ambiente interno, no Prédio Anexo da Inova Unicamp, e carrega um microfone em uma das mãos. Fim de descrição.
Viviane Hamanaka, sócia-fundadora da Autocoat | Foto: Pedro Amatuzzi - Inova Unicamp

Ela explica que esses materiais costumam ser fabricados por métodos de deposição física em fase vapor de pequenas moléculas orgânicas, um processo caro e de baixo rendimento. “Sugeri ao meu orientador, o engenheiro eletricista Fernando Josepetti Fonseca, usar o método de blade coating. Ele topou, desde que eu conseguisse desenvolver um sistema automatizado de produção.”

Dois meses após a fundação da empresa, Hamanaka e seu sócio foram contemplados com um projeto PIPE fase 1, no âmbito do qual desenvolveram os primeiros protótipos para validar a viabilidade técnico-científica do BCC-02. No início de 2022, conseguiram a aprovação de outro projeto PIPE 2, que usaram para otimizar partes do sistema visando sua comercialização no Brasil e no exterior.

O apoio lhes permitiu aprimorar os controles que regulam a temperatura da superfície que recebe o material solúvel, ajustar a lâmina e a velocidade com que ela se movimenta sobre ele, de modo que o BCC-02 hoje consegue produzir filmes uniformes e com baixas rugosidades, como os feitos por spin coating, independentemente de sua espessura.

Eles também usaram os recursos concedidos pelo programa para equipar o dispositivo com uma faca de nitrogênio para secagem dos filmes finos. Isso permite ao BCC-02 produzir filmes com propriedades adequadas para a fabricação de células solares de perovskitas, muito promissoras para o mercado de energias renováveis por combinar alta performance e baixo custo.

Como são flexíveis e leves, as células solares de perovskitas podem ser usadas para gerar energia elétrica a partir da luz solar em objetos como cortinas, mochilas e tetos de veículos, ampliando as possibilidades de aplicação da energia fotovoltaica. “Nosso equipamento é o único no mercado com essa faca de nitrogênio”, afirma Hamanaka.

As aplicações, no entanto, vão além. “Em laboratórios, o BCC-02 pode ser usado para fabricar filmes de biomateriais para curativos e regeneração tecidual, além de novas formas de administração de fármacos e cosméticos”, diz a química.

Ela conta que a ideia inicial era concluir o desenvolvimento do equipamento em 2023 para, então, lançá-lo no mercado. “Acontece que muitos pesquisadores para quem mostrávamos o produto nos perguntavam se já podiam comprar os protótipos”, diz a pesquisadora. “Decidimos adiantar o lançamento e nos programamos para apresentá-lo no XX Brazil MRS Meeting, realizado pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais, em Foz do Iguaçu, em setembro de 2022.”

A escolha foi estratégica. “Sabíamos que ali teríamos a oportunidade de apresentar a tecnologia a um grande número de pesquisadores brasileiros e estrangeiros de diversas áreas de pesquisa em materiais”, avalia.

O interesse e a aceitação pelo produto superaram as expectativas, possivelmente porque se trata de um equipamento de fácil ajuste e manuseio, com custo competitivo, podendo ser usado por cientistas de diferentes áreas em laboratórios de diferentes tamanhos. “Voltamos do evento com alguns pedidos. Desde então, já vendemos dez unidades do BCC-02”, afirma.

O equipamento também atraiu a atenção de empresas, entre elas a multinacional alemã MBraun, uma das principais produtoras de glove-boxes – recipientes hermeticamente selados com luvas na parte frontal para manipulação de materiais em ambiente controlado. “O BCC-02 é pequeno, o que facilita seu uso em ambiente inerte de glove-box”, diz Hamanaka.

A parceria com a empresa alemã foi potencializada recentemente com a aprovação de um projeto PIPE fase 3, quando a ideia e o protótipo já foram suficientemente desenvolvidos. Agora, a empresa se dedica a investir em um plano de negócio para consolidá-lo no mercado.

No caso do BCC-02, que já foi lançado, os recursos estão sendo usados para fazer os ajustes e as otimizações necessárias para integração do equipamento em ambientes de glove-box. Se tudo der certo, a MBraun passará a comprar o BCC-02 para integrá-lo às suas glove-boxes vendidas para laboratórios ao redor do mundo.

Matéria original publicada pela Fapesp.