Bardana pode ser usada em processo tecnológico para produção de prebióticos

Pedaços da raiz de bardana cortados e secos sobre bancada

Planta de origem asiática foi estudada por um grupo de pesquisadoras da Unicamp e o trabalho resultou em um pó solúvel e um espessante de baixa caloria e alto teor de fibras para a indústria 

Texto: Ana Paula Palazi | Fotos: Acervo pessoal pesquisadoras

O primeiro estudo brasileiro a caracterizar os compostos bioativos da bardana – planta de origem asiática – cultivada no país foi conduzido por um grupo de mulheres pesquisadoras, ligadas à Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. O trabalho científico possibilitou o desenvolvimento de dois processos para a indústria a partir da raiz da bardana. Como resultado foi produzido um pó prebiótico de alto rendimento sem qualquer aditivo químico e um segundo ingrediente, com o aproveitamento integral da planta, que pode ser aplicado como um espessante alimentar de baixo teor calórico e rico em fibras. 

A Unicamp por meio de sua Agência de Inovação (Inova Unicamp) protocolou um pedido de patente contendo o processo para obtenção de ingredientes prebióticos e seus usos, que foi depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A tecnologia faz parte, agora, do portfólio de Patentes e Softwares da Unicamp, uma espécie de vitrine das inovações produzidas na universidade e disponíveis para parcerias com o mercado.

Os prebióticos são carboidratos que passam pelo trato gastrointestinal sem serem metabolizados e chegam intactos ao cólon. Lá, eles são fermentados e atuam como estimulantes do crescimento de bactérias probióticas, por isso, são classificados como assistentes do microbioma intestinal. Em outras palavras, viram alimento dessas bactérias que modulam o intestino e trazem diversos benefícios para a saúde.

Os efeitos vão desde atividade anti-inflamatórias locais a melhorias sistêmicas de doenças crônicas, como redução de glicemia. Parte disso está associada à produção de ácidos graxos de cadeia curta que tem propriedades que regeneram mucosas, melhoram a imunidade contra vírus e trazem até benefícios à saúde mental. 

Produção nacional de prebióticos

O estudo desenvolvido em dois laboratórios da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) compreendeu desde o processamento e desenvolvimento tecnológico até as análises finais da parte nutricional do extrato e a comparação com os teores de prebióticos em outras formas tradicionais de consumo da bardana, como o chá.

A professora Maria Teresa tem cabelos cacheados e sorri para a foto

“Foi a primeira vez que a bardana brasileira passou por todas essas etapas. Até então, não tínhamos uma história da nossa bardana, que se adaptou às nossas terras e às nossas condições climáticas. Para mim, isso é um motivo de muito orgulho”, relata a professora Maria Teresa Pedrosa Silva Clerici, uma das responsáveis pelo Laboratório de Cereais, Raízes e Tubérculos (LCRT) da Unicamp.

 

Os trabalhos existentes sobre a bardana detalhavam informações agronômicas de cultivo, mas nada que investigasse as propriedades e composição das raízes cultivadas no Brasil em comparação com as da Ásia, Europa e América do Norte, como relatado. 

Na descrição da invenção, as pesquisadoras destacam ainda que produtos prebióticos comerciais com frutooligossacarídeos – esses açúcares não convencionais também conhecidos como carboidratos funcionais não digeríveis – são geralmente importados, com produção em países do hemisfério norte. 

Alguns dos tubérculos prebióticos mais conhecidos não têm produção expressiva no Brasil, como o yacon, a alcachofra de Jerusalém e o agave. A bardana, por sua vez, teve o cultivo adaptado ao clima brasileiro principalmente nos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina e, por isso, é vista como uma alternativa para uma produção nacional de prebióticos.

Maior aproveitamento da bardana

O novo processo obtém um pó que pode diversificar a aplicação de prebióticos na indústria alimentícia sem desperdiçar nada da bardana. A tecnologia desenvolvida é considerada ambientalmente limpa, pois usa apenas água como solvente para fazer a extração dos ingredientes. 

A primeira fração extraída apresentou mais de 60% de solubilidade e uma baixa umidade, o que faz com que seja bastante estável. De sabor suave, praticamente imperceptível, e cor clara, pode ser inserida em sucos, sopas, leites vegetais e outros alimentos – inclusive para veganos – sem grandes alterações sensoriais. 

A segunda fração apresenta outras características físicas e amplia o aproveitamento da bardana. Com o resíduo da raiz que já foi triturada e aquecida é elaborada uma parte insolúvel, com propriedades probióticas, que pode ser aplicada como opção de espessante alimentar, fácil e rápido, de baixíssima caloria e rico em fibras. 

A pesquisadora Thaísa tem cabelos compridos e usa óculos

“Fizemos a caracterização do resíduo da extração para ver a possibilidade de utilização e observamos que essa fibra estrutural, digamos assim, também apresenta uma capacidade prebiótica similar à do extrato, com a presença de carboidratos prebióticos e propriedades espessantes, bem diferente do que se tem atualmente no mercado de aditivos alimentares”, comenta a nutricionista Thaísa de Menezes Alves Moro. 

 

A produção poderia beneficiar idosos e pacientes com síndrome pós-Covid-19, Alzheimer, Parkinson ou alterações neurológicas que apresentam disfagia – dificuldade de engolir alimentos. Outra vantagem está no fato da bardana ser um tubérculo não amiláceo e, por isso, pode ser consumida de forma segura por pessoas obesas, diabéticas ou com restrição alimentar. 

A presença de fibras promove a digestão mais lenta dos carboidratos, o que ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue. A substituição de parte dos espessantes (geralmente feitos com base em amidos) pelos subprodutos da bardana pode aumentar a quantidade de fibras dessas categorias de aditivos, melhorando as características nutricionais da dieta dessas pessoas. 

Por dentro da bardana

Para chegar a esses resultados, a pesquisa contou com a parceria do Laboratório de Bioaromas e Compostos Bioativos da Unicamp, coordenado pela professora Glaucia Maria Pastore e especializado na caracterização de alimentos funcionais. Um dos desafios foi adaptar os parâmetros de análise para identificar os compostos bioativos das raízes da bardana nacional, já que o laboratório normalmente trabalha com a caracterização de frutas nativas brasileiras.

A pesquisadora Ana Paula é morena e tem cabelos cacheados

“A bardana tem basicamente frutooligossacarídos (FOS), como GF2, GF3 e GF4, além de outros carboidratos maiores que não conseguimos identificar por falta de padrões. Algumas raízes, como o yacon, tem carboidratos de tamanhos menores e outras, como a chicória, tem carboidratos de tamanho maior. O interessante da bardana é que ela tem uma mistura dos dois”, diz a nutricionista Ana Paula Aparecida Pereira.

 

Os carboidratos do tipo frutooligosacarídeos (FOS) não são degradados durante a maioria dos processos de aquecimento. Devido a essas características, o pó prebiótico desenvolvido na Unicamp pode ser usado em diversas formulações, inclusive na área de panificação, substituindo farinhas tradicionais mais calóricas e gerando produtos de teor reduzido de carboidratos digeríveis com o efeito nutricional complementar das fibras. 

Saiba mais sobre a tecnologia da bardana