Emulsificante de ação prolongada desenvolvido na Unicamp reduz uso de conservantes

Pote branco na mão do pesquisador com emulsão feita a base de líquidos iônicos

Processo à base de líquidos iônicos pode ser aplicado na fabricação de alimentos e dermocosméticos com estabilidade de até um ano de armazenamento e benefícios de vitamina do complexo B

Texto: Ana Paula Palazi | Fotos: Ariel Antonio Campos Toledo Hijo e Pedro Amatuzzi

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um processo e formulações que usam sais na produção de emulsificantes de ação prolongada. Além de manter as emulsões estáveis, os emulsificantes produzidos a partir de óleos vegetais apresentam ação antimicrobiana e agregam valor nutricional ao produto com uso de colina, uma vitamina do complexo B importante para o cérebro. 

Os emulsificantes feitos à base de líquidos iônicos foram desenvolvidos e testados em condições extremas em laboratório. O estudo foi conduzido pelos pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA): Antonio José de Almeida Meirelles, Ariel Antonio Campos Toledo Hijo, Rosiane Lopes da Cunha e Aureliano Agostino Dias Meirelles, que obtiveram resultados com alta estabilidade cinética, ou seja, emulsões íntegras, sem separação de fases, por até um ano de armazenamento usando baixas concentrações do aditivo.

“A aplicação de líquidos iônicos na indústria de alimentos é nova e nós encontramos as condições ótimas para obter um produto de interesse, fácil síntese e simples mistura, que pode ser adicionado em processos comuns da indústria com diversas vantagens. São potentes emulsificantes, em concentrações aceitáveis que a legislação já estabelece, e antimicrobianos, então não precisam de outros aditivos antimicrobianos”, diz o pesquisador Ariel Antonio Campos Toledo Hijo.

A tecnologia teve o depósito de patente feito pela Agência de Inovação Inova Unicamp no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e, atualmente, faz parte do Portfólio de Patentes e Softwares da Unicamp, disponível para licenciamento de startups e empresas interessadas em dar continuidade no desenvolvimento industrial para fabricação de novos produtos ou aplicação do processo diretamente em suas linhas de produção.

Resultados da pesquisa

Os líquidos iônicos são sais que têm ponto de fusão abaixo de 100 °C. Alguns se transformam em líquidos à temperatura ambiente por causa de características químicas. Na indústria, são considerados como solventes verdes, ao reduzirem a possibilidade de contaminação do meio ambiente por apresentarem baixa volatilidade.

Os pesquisadores da Unicamp estudavam as condições físico-químicas dos cristais líquidos formados por esses sais quando se depararam com um elemento inesperado que chamou a atenção. A capacidade emulsificante desses líquidos favorecia a mistura de duas substâncias imiscíveis ou que não se misturam, como água e óleo, e era algo que possuía uma estabilidade não usual. A partir disso, decidiram estudar as aplicações dos líquidos iônicos na produção de emulsões base para alimentos. 

Em geral, as emulsões não se formam espontaneamente sem o uso de um emulsificante e é comum que as misturas se desestabilizem e voltem ao estado original com o passar do tempo, promovendo a separação das fases e deixando um aspecto nada agradável, além de afetar a vida útil de produtos emulsificados. Para aumentar a estabilidade, a indústria costuma usar bons agentes emulsificantes que garantem maior durabilidade do produto. Alguns dos exemplos de emulsões são maionese, margarina, manteiga, sorvetes, cremes, loções e pomadas.

Durante a pesquisa foi observado que além de manter as emulsões íntegras, os produtos desenvolvidos também não apresentavam contaminação por micro-organismos, como os fungos. Os pesquisadores então aplicaram, propositalmente, alguns micro-organismos de interesse em amostras e observaram que a contagem deles também reduzia com o passar do tempo, indicando uma ação inibidora.

Por que usar líquidos iônicos como emulsificante?

O esforço de buscar novas aplicações para os líquidos iônicos mira a sustentabilidade e redução de aditivos, tendo como base a química verde e a tendência do setor de rótulos limpos (clean label). As formulações propostas pelos pesquisadores são derivadas de produtos naturais – ácidos graxos de cadeia longa presentes em óleos vegetais – e apresentam baixo impacto ambiental, com economia no uso de outros aditivos, como conservantes.

“Uma possibilidade para a produção de líquidos iônicos que propomos é a junção de ácidos graxos com etanolaminas e, a outra, que é mais interessante ainda, é a adoção dos ácidos graxos com colina. Além do poder emulsificante, estes compostos criam uma defesa para o produto, retardando a contaminação microbiana, além de ter apelo natural”, diz o professor, pesquisador e reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles. 

A colina também agrega valor nutricional. Ela é conhecida por ser uma das vitaminas do complexo B que atua diretamente na produção e síntese de importantes neurotransmissores responsáveis pela memória, e pode ser combinada com outros ácidos graxos, por exemplo os ômegas, também associados a benefícios para a saúde, como a prevenção de doenças cardiovasculares.

Uma grande quantidade de produtos que consumimos no dia a dia usa emulsificantes em suas composições. Além da indústria de alimentos, os líquidos iônicos podem ter aplicações na produção de bioprodutos que contenham emulsões como base ou coadjuvantes nas indústrias cosmética, farmacêutica e agrícola. A aplicação da tecnologia depende de novos estudos em escala industrial, mas, de acordo com os pesquisadores, poderia facilmente ser integrada em empresas que já produzem produtos emulsionados, empresas que trabalham com refino de óleo vegetal para obtenção de ácidos graxos e derivados, ou empresas que produzem ingredientes emulsificantes e conservantes.

Saiba mais sobre a tecnologia de líquidos iônicos