Fórmulas de sucesso: Pesquisas saem da academia e conquistam o mercado

Embalagem transparente com tampa e comprimidos brancos do nutracêutico MetaBody

Fórmulas de sucesso: Pesquisas saem da academia e conquistam o mercado

Empresas-filhas aplicam ciência e tecnologia desenvolvidas na Unicamp e lançam produtos para saúde e bem-estar com apelo ambiental e eficácia comprovada. Para pesquisadores, o processo fomenta novas pesquisas.

Texto: Ana Paula Palazi | Fotos de capa: Pedro Amatuzzi

Ver o resultado de uma investigação científica chegar ao mercado na forma de um produto ou serviço requer investimento, paciência e muita dedicação. A receita seguida pelos professores, Maria Angela de Almeida Meireles e Mário Roberto Maróstica Junior, ambos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, estão nas fórmulas de um sérum com propriedades rejuvenescedoras e de um nutracêutico – um composto nutricional de valor terapêutico – que combate a obesidade, recém-lançados no mercado brasileiro. 

As duas tecnologias patenteadas e licenciadas da Unicamp, que deram origem aos produtos, utilizam o método de extração supercrítica e resíduos naturais, como as folhas da artemísia – planta de origem asiática aplicada no tratamento da malária – e a casca da jabuticaba, para obter extratos vegetais a partir de processos sustentáveis. O resultado são produtos com bioativos de efeito comprovado em testes científicos, alto valor tecnológico e baixo impacto no meio ambiente. 

Para a docente permanente do programa de pós-graduação em Engenharia de Alimentos é como construir um muro. “Tem que ser feito tijolo a tijolo”, comenta Meireles. Os primeiros desafios, segundo a pesquisadora, estão em enxergar o problema para indicar uma solução factível. “Se a indústria não estiver preparada para absorver a tecnologia e o pesquisador para interagir, entendendo as diferenças de conhecimento e prática de cada setor, o desenvolvimento não acontece”, alerta.

O professor Maróstica acrescenta que o contato proativo da Unicamp com as empresas, que é feito por meio da Agência de Inovação, planifica os caminhos, levando as soluções de maneira mais rápida para a sociedade. “Quando você passa por esse processo de proteção e transferência do conhecimento, enxerga o trabalho científico de uma forma mais crítica, começa a ver mais possibilidades na pesquisa”, diz o engenheiro.

Jabuticaba em favor da saúde

Quando recebeu os primeiros resultados sobre a jabuticaba, Maróstica lembra que ficou “positivamente assustado”. Os efeitos benéficos do consumo da casca do fruto eram nítidos nas imagens. A descoberta levou o docente a procurar o apoio da Agência de Inovação para proteger os desdobramentos da investigação científica. Embora, na época, ainda não conhecesse os caminhos para transformar uma pesquisa em patente, ele sabia que ali existia um grande potencial.

Professor Mário Roberto Maróstica Júnior, no Laboratório de Nutrição e Metabolismo (LANUM) da Unicamp: “É um ciclo que todo mundo ganha”

O professor e seus alunos estudaram como a resistência à insulina no organismo era afetada pelo consumo da fruta de origem brasileira. A jabuticaba é extremamente rica em compostos fenólicos antioxidantes – substâncias como as antocianinas e os taninos, presentes também no vinho tinto. Esses bioativos têm efeitos positivos sobre a obesidade e a inflamação da próstata, auxiliando na redução do colesterol, melhorando os níveis de açúcar no sangue e prevenindo inflamações.

“Se naquele momento eu não tomasse alguma atitude mais audaciosa, acho que não me perdoaria pelo resto da vida”, contou na entrevista. A imagem, que fez o pesquisador enxergar para além da publicação de um artigo científico, mostrava o fígado de um animal obeso que havia sido tratado com o extrato de jabuticaba. Segundo Maróstica, o órgão estava limpo de infiltrações de gordura como o fígado de um animal saudável. “Eu sabia que nossa descoberta poderia beneficiar muitas pessoas”, revela. 

O pedido de patente foi concedido em 2017 e com o apoio da Inova Unicamp o conhecimento acumulado sobre a casca da jabuticaba foi licenciado para a Rubian Extratos. Fundada em 2014, a empresa-filha é um exemplo de negócio que foi criado a partir do Desafio Unicamp. A equipe foi uma das finalistas da competição organizada pela Inova e também se graduou na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp). A spin-off tornou o processo de produção do extrato de jabuticaba algo comercial e escalável, resultando no lançamento do nutracêutico Meta Body. 

O produto é comercializado no mercado, desde fevereiro, pela distribuidora Infinity Pharma. A parceria com a universidade ainda resultou numa outra patente em co-titularidade com a empresa para o desenvolvimento de novos produtos nutracêuticos, agora à base de extratos da semente do urucum. “É um ciclo que todo mundo ganha: a empresa ganha competitividade, as pessoas têm acesso a novas tecnologias, o aluno aprende de forma aplicada, o professor vê sua pesquisa tendo resultados e a universidade é promovida”, conclui.

Artemísia rejuvenescedora

Sérum rejuvenescedor desenvolvido com tecnologia da Unicamp a partir de planta milenar

A colaboração entre universidade e empresa foi a base do trabalho da professora Maria Angela Meireles em parceria com a S Cosméticos do bem. A empresa-filha da Unicamp, fundada em 2011, buscava aproveitar o máximo potencial da Artemisia annua, planta milenar usada mundialmente na produção de medicamentos antimaláricos, com diversas propriedades reconhecidas. 

O trabalho resultou no desenvolvimento de uma nova tecnologia, capaz de extrair em três etapas, diferentes bioativos de grande interesse da indústria farmacêutica, usando a mesma matéria-prima. Além da artemisinina, composto “vencedor” do Nobel de medicina de 2015 que é doado para a produção de antimaláricos, são produzidos o óleo essencial e extratos residuais que possuem propriedades antimicrobianas, antiinflamatórias, cicatrizantes e anticancerígenas. 

O primeiro produto lançado pela empresa foi um dermocosmético em forma de sérum que leva a fração dois da artemísia. Ele apresenta propriedades terapêuticas multifuncionais que atuam como importantes aliados no rejuvenescimento da pele.  Além da capacidade de regeneração celular, o Sérum Biotech S também tem ação cicatrizante e pode ser usado no tratamento da psoríase e de queimaduras na pele. 

Segundo Maria Angela Meireles, o desafio técnico e científico da parceria entre a Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp e a empresa foi estabelecer condições para a extração que pudessem ser reprodutíveis e garantisse a mesma bioatividade, independente das variações naturais de safra que produtos vegetais podem sofrer.  

“O setor produtivo, para ser produtivo e ganhar a competição global, precisa do conhecimento que vem das universidades, isso porque é inviável para a maioria das empresas manter uma estrutura laboratorial e multidisciplinar como a que temos na FEA”, pondera a professora. Entre o licenciamento e a colocação de um produto de base tecnológica no mercado, existem várias etapas de natureza industrial que precisam ser superadas.

Soraya El Khatib, CEO da empresa-filha S Cosméticos do bem e a professora Maria Angela Meireles: parceria nas pesquisas

Maria Angela Meireles tem se dedicado nos últimos 35 anos a descobrir e explorar o potencial de frutas e verduras que podem ser fontes desprezadas de valiosos compostos bioativos – substâncias que têm influência sobre a saúde, mesmo não sendo considerados nutrientes essenciais. Entre quinze proteções de propriedade intelectual vinculadas ao nome dela, essa é a primeira patente que a inventora vê chegar ao mercado. 

“O Brasil é um detentor de uma biodiversidade muito grande, mas não tem nenhuma política concreta de transferência do conhecimento de laboratório para o conhecimento industrial, e ainda engatinha nessa questão”, lamenta. Essa intermediação entre a empresa – seja ela pública ou privada – e o cientista é um papel que a Inova Unicamp desempenha muito bem, na opinião da professora. Um apoio que permite aos pesquisadores terem mais segurança e tranquilidade no processo de negociação de valores que são reinvestidos na universidade para manutenção da atividade de pesquisa. 

Para Maria Angela Meireles, a cultura da inovação deve ser fomentada no dia a dia com criatividade, cultivando as ideias. É como uma receita de bolo de família, ilustra a pesquisadora. Você pode  pegar os ingredientes, seguir o passo a passo e levar anos para chegar ao mesmo resultado ou “pode acompanhar sua mãe fazendo” para ter contato direto com o saber prático (know-how) e absorver os 20 anos de conhecimento dela em menos tempo.