Mais de 100 licenças ativas

Mais de 100 licenças ativas

Por Vanessa Sensato e Carolina Octaviano

Uma das formas mais tradicionais de transferência de tecnologias da universidade para o mercado acontece por meio de contratos de licenciamento. A Unicamp é uma das universidades da América Latina com melhores resultados na interação universidade-empresa. A atividade é destacada, inclusive, pelo ranking da revista Times Higher Education, em que a Unicamp, em 2018, lidera, pela segunda vez como a melhor universidade da América Latina.

Em 2017, a Unicamp firmou 22 contratos de licenciamento com empresas e alcançou a marca de 100 contratos vigentes. Os ganhos econômicos relacionados à atividade de transferência de tecnologia foram de R$1.349.038. Neste mesmo ano, obtiveram maior destaque as áreas de Tecnologia de Informação e de Computação, a área de Alimentos e a de Fármacos e Cosméticos, envolvendo diversas unidades da Universidade.

“São áreas que nós já temos uma vocação clara. Naturalmente, estas áreas acabam atraindo o interesse de empresas para as tecnologias, havendo uma intersecção entre a nossa capacidade de pesquisa nestas áreas e uma demanda bem identificada”, aponta Newton Frateschi, diretor-executivo da Agência de Inovação Inova Unicamp.

Technology push ou demand pull?

Para chegar a números tão relevantes de transferência de tecnologias, a Inova Unicamp atua não somente com estratégias de oferta de tecnologia (tecnology push), mas também por meio do entendimento das demandas do mercado (demand pull), em uma proposta de trabalho mais próxima à indústria. Nos dois casos, a proatividade permeia a concepção do trabalho.

A divulgação de patentes referentes a tecnologias desenvolvidas sem parceria inicial com uma empresa é, por exemplo, uma das estratégias de oferta ativa de tecnologias, adotadas pela Inova, importante para impulsionar os licenciamentos fechados. Mas, para Frateschi, a divulgação das patentes não se sustenta sem um corpo profissional maduro focado em boas práticas de inovação. “A Inova é uma das Agências de Inovação no país com o maior grupo de profissionais atuantes. Entretanto, o que nos faz bem-sucedidos não é somente o número de profissionais dedicados, mas sim a qualidade da equipe e sua capacidade para atuar junto ao ecossistema de inovação”, frisa.  Adicionalmente, o diretor-executivo pondera que a formação de alunos que vão atuar de maneira transformadora na indústria também deve ser destacada. “Esses ex-alunos atuantes nas empresas parceiras vão ser nosso ponto de contato e facilitar nossa interação para discutir projetos de pesquisa e o licenciamento de tecnologias”, coloca.

A atuação da Unicamp em pesquisa de fronteira, desde as áreas mais fundamentais até as mais aplicadas, e sua proximidade com a indústria viabiliza cada vez mais o desenvolvimento de projetos de pesquisa em parceria que, quando bem negociados, podem gerar propriedade intelectual e, consequentemente, potenciais contratos de licenciamento de tecnologia com benefícios para a Universidade e para o mercado. Tais contratos, que nascem a partir de demandas reais da sociedade, são geralmente muito exitosos, gerando recursos não só para as empresas que levam a tecnologia ao mercado, mas também para as universidades e pesquisadores envolvidos.

As boas tecnologias desenvolvidas na Universidade também podem ser licenciadas para mais de uma empresa, dependendo da estratégia de comercialização traçada pela Inova e validada com o pesquisador além, é claro, da proposta da empresa interessada. “As formas de licenciamento, exclusivo ou sem exclusividade, dependem muito da estratégia de inserção que a empresa pretende ter no mercado onde ela irá explorar o produto”, avalia a diretora de Parcerias da Inova Unicamp, Iara Ferreira. Somadas a isso, tecnologias com um apelo social importante podem definir uma estratégia que vise o licenciamento não exclusivo, enquanto que alguns mercados vão praticamente exigir um contrato de licenciamento exclusivo, em função dos altos custos relacionados ao desenvolvimento complementar da tecnologia, ou à distribuição do produto.

Além disso, não é incomum que se pense que somente tecnologia protegida, como é o caso das patentes, possa ser licenciada, enquanto que, na verdade, vários tipos de tecnologia, como materiais biológicos (plantas transgênicas e hibridomas), softwares e mesmo know how podem ser transferidos. Em tradução livre, know how significa “saber como” e, no caso do know how desenvolvido no contexto da universidade, o que é licenciado é um método ou um saber adquirido pelo docente ou pesquisador responsável por resolver uma demanda específica, que pode ser aplicado ao desenvolvimento de um novo produto, propiciando vantagens competitivas.

De acordo com Iara, o contato mais próximo com a indústria vem também possibilitando uma nova estratégia de licenciamento, que envolve antes da propriedade intelectual, o know how gerado em parcerias. “Quando as empresas estão em contato com os nossos pesquisadores em fase bem inicial da pesquisa é possível licenciar primeiro o know how e, posteriormente, a propriedade intelectual resultante desta parceria”, coloca a diretora.

Há também contratos de licenciamento que abarcam tecnologias com mais de um tipo de proteção; envolvendo, por exemplo, uma patente e um programa de computador. Este é o caso do licenciamento para a empresa Kasco P&D Tecnologia, que foi realizado em 2017, cuja tecnologia é uma ferramenta para coleta de dados e detecção de erros no sinal digital. Tal licenciamento inclui uma patente e um programa de computador. O professor Rangel Arthur, da Faculdade de Tecnologia da Unicamp, é um dos inventores. Ele explica que, para garantir a qualidade do sinal recebido nas casas, as emissoras precisam fazer uma varredura das áreas de serviço e que justamente esta varredura foi beneficiada pelo desenvolvimento da tecnologia. “O receptor digital desenvolvido permite informar às emissoras uma série de informações sobre a recepção no ponto instalado, facilitando a configuração dos transmissores de sinal e permitindo uma área de cobertura mais eficiente”, revela Rangel.

O docente acrescenta que o equipamento foi idealizado durante o doutorado de Diogo Gará Caetano, da Kasco P&D Tecnologia, e que seu desenvolvimento é fruto de uma parceria entre a Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), por meio dos professores Yuzo Iano e Vicente Idalberto Becerra Sablón, a FT da Unicamp e a Rede Nacional de Ensino de Pesquisa (RNP).

Como alcançar mais casos de sucesso?

Ampliar o número de tecnologias universitárias licenciadas e bem-sucedidas é um desafio comum a Agências de Inovação no Brasil e no mundo. Uma das dificuldades é justamente o nível embrionário de desenvolvimento da maioria das tecnologias universitárias, o que acaba reduzindo o número de empresas que podem ou têm interesse em levar a tecnologia ao mercado.

Este cenário está sendo enfrentado no mundo por meio da criação de empresas ainda no contexto universitário: novas empresas de base tecnológica, criadas por alunos ou docentes inventores. “No Brasil ainda temos alguns entraves, especialmente quando o docente quer empreender, mas na Unicamp estamos atuando fortemente para que os grupos de pesquisa interessados em empreender encontrem na Inova um aliado”, pontua Frateschi.

Material biológico com aplicação na indústria

Nos casos de transferência de material biológico, é necessário firmar um MTA ou Acordo de Transferência de Material com uma empresa ou instituição parceira. “Nossa legislação é muito avançada, se compararmos com outros países, como a Índia, por exemplo. Se uma empresa utiliza um material biológico brasileiro, há um documento que garante os direitos do fornecedor”, ressalta Glyn Mara Figueira, pesquisadora do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) e presidente do Patgen (Grupo de Trabalho e Acompanhamento de Patrimônio Genético da Unicamp), grupo responsável por disseminar boas práticas voltadas ao patrimônio genético e materiais biológicos na Unicamp.

Mais recentemente, a Inova Unicamp vem atuando no auxílio da formalização destes contratos. “Nós atuamos na negociação da transferência de material biológico especialmente quando há uma bio-prospecção, ou seja, quando há o interesse da indústria em transformar aquele material em produto”, explica Iara.

De olho nas demandas do mercado para os materiais biológicos, a Unicamp conta com a Coleção Brasileira de Micro-organismos de Ambiente e Indústria (CBMAI), que reúne em um acervo de linhagens microbianas do ambiente e para aplicação biotecnológica, educacional e taxonômica. “Mediante projetos de pesquisa multidisciplinares e multinstitucionais, a coleção de pesquisa da CBMAI preserva isolados microbianos de biomas diversos e clones metagenômicos que vêm sendo caracterizados e avaliados quanto à sua composição taxonômica e potencial biotecnológico”, explica a doutora Derlene Attili de Angelis, responsável pela Coleção.