Cresce interesse de pesquisadores da Unicamp em empreender

Cresce interesse de pesquisadores da Unicamp em empreender

Prêmio Inventores 2020 reconhece 4 spin-offs, criadas a partir de tecnologias nascidas na universidade

Texto por Juliana Ewers
Foto por Pedro Amatuzzi

Mais do que desenvolver uma nova tecnologia passível de ser patenteada e aguardar por sua concessão pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), os pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) têm despertado para uma nova oportunidade dentro de seus projetos: o empreendedorismo.

Apesar da jornada desafiadora que o empreendedorismo propõe, foi nesse caminho que docentes e alunos têm encontrado oportunidades para levar – em alguns casos, até mais rapidamente – as tecnologias ao mercado.

Conhecidas como spin-offs – startups criadas a partir de tecnologias nascidas na universidade –, essas empresas podem surgir do licenciamento da tecnologia para um terceiro que deseja começar um novo negócio baseado naquela patente ou software, ou do interesse direto do professor ou aluno ligado ao projeto em abrir uma empresa e empreender.

Só em 2019, foram cinco spin-offs criadas na Unicamp, sendo quatro delas com envolvimento de um ou mais membros do grupo de pesquisa responsável pelo desenvolvimento da tecnologia. As empresas são: Br Hialuronic, Sugarzyme, Cognita Technology e CND Pharma. A iniciativa rendeu aos pesquisadores empreendedores o reconhecimento no Prêmio Inventores 2020.

Fortalecimento da cultura empreendedora

Na visão do professor Newton Frateschi, diretor-executivo da Agência de Inovação Inova Unicamp, esse movimento indica um amadurecimento do ecossistema da universidade ao observar e desbravar novas oportunidades. “Ter um portfólio gigante de tecnologias não significa, necessariamente, que estamos cumprindo nosso papel na inovação brasileira”, salienta.

Alinhada a esse contexto, a Inova Unicamp desenvolveu uma nova metodologia para identificar mais spin-offs na universidade. Hoje, mais do que comunicar sua invenção, o pesquisador deve refletir sobre as oportunidades existentes para aquele registro, podendo ser um projeto de P&D para evoluir nas fases da pesquisa, um licenciamento para que uma empresa ou interessado tenha permissão de usá-la para fins comerciais ou o próprio empreendedorismo. “Assim, temos uma visão mais ampla de todo processo inovativo”, reforça o diretor-executivo.

“A Unicamp desenvolveu uma cultura muito importante de inovação. Este fato está relacionado ao desenvolvimento e valorização de pesquisa aplicada de altíssima qualidade e de impacto econômico e social. A criação deste ambiente fomenta a vocação empreendedora de alunos e docentes da Unicamp, em um caminho muito diferenciado para novas oportunidades de empreender”, avalia a docente Ana Badan, da FEA (Faculdade de Engenharia de Alimentos).

Toparam o Desafio

Além do próprio número de novas empresas criadas, um dos termômetros que indica o empreendedorismo ganhando força dentro da universidade é o Desafio Unicamp, competição de modelos de negócios baseados em tecnologias da universidade.

Criada em 2011, a competição já capacitou mais de 3 mil pessoas interessadas em empreendedorismo, de onze estados brasileiros. Na competição, grupos de até cinco pessoas escolhem uma tecnologia com a qual desejam trabalhar e desenvolvem o modelo de negócio.

O grupo de pesquisa atrelado à patente, até então, preferia atuar como mentor acadêmico dos estudantes, dando diretrizes de aplicação e conhecimentos técnicos referentes à tecnologia. Enquanto profissionais de mercado entravam, e ainda entram, como mentores de negócio, dando indicações relacionadas ao mercado. “O que nos chama atenção e confirma que a visão empreendedora tem se solidificado na universidade é o fato de que, cada vez mais, os grupos têm sido formados pelos próprios pesquisadores, para abarcar esses conhecimentos de negócio e transformar a pesquisa em uma empresa”, comenta a gerente da Incamp (Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp), Mariana Zanatta Inglez.

É o caso da empresa Cognita Technology, criada a partir de tecnologia desenvolvida no doutorado de Valéria Silva Santos, participante da edição de 2018 do Desafio Unicamp ao lado de Giulia Magossi, Mayanny Gomes, Kamila Ramponi e Gabriel Deschamps. “Éramos todos com perfis acadêmicos, se deparando com a oportunidade de transformar uma pesquisa patenteada em um modelo de negócio para fins comerciais”, relembra Valéria.

Para a fundadora da Cognita, a falta de oportunidades de emprego na indústria, especialmente pelo alto custo de empregar um doutor, atrelada à falta de experiência no mercado por conta da trajetória acadêmica, é o componente que faz o empreendedorismo se destacar como opção de carreira. “Quando eu era pequena, empreendia fazendo cartões de natal e lembrancinhas de nascimento. Depois disso, nunca mais. Segui em busca da formação acadêmica, atingi minha meta e me deparei com a falta de oportunidade a busca de emprego. Daí, comecei a participar de eventos de inovação e coincidiu com o Desafio Unicamp, que foi o meu gatilho”, relata.

Neste momento, a Cognita pretende lançar um suplemento alimentar para auxiliar na redução do colesterol. A segurança e eficácia do composto foram comprovadas durante o projeto PIPE Fapesp Fase 1.

Na opinião da docente Ana Badan, que atua como mentora do Desafio Unicamp, esse movimento traz inúmeros ganhos para os pesquisadores. “Permite, de fato, gerar conhecimento a partir de demandas estratégicas para o mercado, em um ciclo que beneficia os alunos em formação, a Universidade e a sociedade como um tod

A inovação é daqui

Além de oportunidades para a carreira, empreender também ganha o propósito de fazer da tecnologia um produto brasileiro. Foi com esse viés que surgiu a Br Hialuronic, fundada por Rhelvis Oliveira, a partir de sua pesquisa de mestrado e doutorado na Engenharia Química da Unicamp.

A empresa desenvolve purificantes de ácido hialurônico – muito usado no mercado de cosméticos – a partir de produtos naturais e fontes vegetais. A oportunidade foi identificada pelo produto não ser produzido em escala industrial no país. O que temos hoje no mercado brasileiro é importado da China e chega a custar US$ 200 o quilo do material. “Por isso o preço desses produtos com ácido hialurônico é tão alto. Nosso objetivo é simplificar o processo de produção e purificação para investir em qualidade do produto nacional. É um desafio que nos inspira”, afirma o empreendedor.

A patente foi depositada em 2017 e contou com apoio PIPE Fapesp na continuidade do desenvolvimento tecnológico. Ao final de julho deste ano, serão concluídos os testes que têm comprovado os resultados satisfatórios da pesquisa.

Também contando com o apoio da Fapesp, a pesquisadora Rosa Biaggio viu em sua pesquisa desenvolvida no Instituto de Química da Unicamp a oportunidade de transformá-la em negócio, criando assim a Sugarzyme, que atua com moléculas aplicáveis desde cosméticos a tratamento para o câncer e antivirais.[blockquot]

“Fiz minha carreira no setor de pesquisa e desenvolvimento de grandes empresas. Então, já trazia esse conhecimento de anos de mercado quando identifiquei a oportunidade de empreender. Criei a empresa antes mesmo de defender minha tese”, relembra.[/blockquote]

A quarta empresa reconhecida no Prêmio Inventores 2020 é a CND Pharma, do professor Wagner Fávaro, do Instituto de Biologia da Unicamp, que desenvolve um novo fármaco para ser aplicado no tratamento de câncer na bexiga, que pode ser aplicado tanto ao tratamento veterinário quanto humano.

Clareza e segurança para empreender

Para compor o ambiente propício para o empreendedorismo, Newton Frateschi relembra um divisor de águas nesse cenário: a Política de Inovação da Unicamp, que traz mais clareza para os detalhes e moldes desse tipo de iniciativa, especialmente no que tange os docentes da universidade.

“Isso nos deu mais segurança jurídica, especialmente para os professores, e clareza para toda a universidade de como essa atuação seria desenvolvida. Antes, o fato de termos dedicação exclusiva esbarrava em uma série de impedimentos. Com normas mais claras e estabelecidas, esperamos ver o número de spin-offs a cada ano maior”, almeja Frateschi.

Com bons exemplos a caminho, a expectativa também paira sobre a multiplicação de iniciativas e um ecossistema mais robusto no entorno da universidade. “Os exemplos concretos da criação de spin-offs de projetos de pesquisa têm sido fundamentais para promover a cultura do empreendedorismo na universidade, com impactos muito importantes para o efetivo licenciamento e o fechamento deste ciclo de inovação”, completa a professora Ana Badan, da FEA (Faculdade de Engenharia de Alimentos).

Descubra como a Inova Unicamp te ajuda a empreender

– Incubadora: iniciativa dedicada ao acompanhamento de novos negócios em estágio inicial, a partir de mentorias, capacitações e conexões com o mercado para alavancar projetos de base tecnológica, ligados ou não à Unicamp

– Curso PIPE: iniciativa em parceria com a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) de orientação em empreendedorismo e difusão do Edital Pipe-Fapesp, como oportunidade para cooperar com novos negócios.

– Desafio Unicamp: competição de modelos de negócio baseada em patentes e softwares da Unicamp.

– Unicamp Ventures: rede de empreendedores ligados à universidade, podendo ser aluno, ex-aluno, docente ou funcionário, com o objetivo de gerar interações entre eles, fortalecer o ecossistema local e gerar novos negócios.

– Editais do Parque Científico e Tecnológico da Unicamp: espaço físico para alocar novas empresas no campus de Campinas, mantendo a proximidade e o relacionamento da empresa, spin-off ou startup com a universidade.

– Comunicado de Spin-off: oportunidade de identificação de novos negócios a partir de tecnologias desenvolvidas no âmbito acadêmico, fruto de pesquisas.

– Programa Landing da RedEmprendia: iniciativa em parceria que propõe o intercâmbio e conexões com outros empreendedores e ecossistemas da rede íbero-americana.