Unicamp visa oportunidades para softwares

Unicamp visa oportunidades para softwares

A comunicação de software para a Inova garante uma estratégia adequada de proteção da propriedade intelectual, além de possibilitar segurança jurídica sobre a autoria e resultar em licenciamento gratuito ou envolvendo royalties para sociedade

Texto: Kátia Kishi | Fotos: Pedro Amatuzzi

O mercado brasileiro de Tecnologia da Informação (TI) está aquecido, especialmente pela urgente necessidade de transformação digital impulsionada pelas demandas geradas com a pandemia da COVID-19. Para se ter um panorama em números, indo na contramão do aumento de desemprego geral no Brasil, o setor foi protagonista na oferta de empregos em 2020, com crescimento de 310%, segundo dados da GeekHunter, empresa especializada em recrutamento de profissionais de TI na América Latina.

Apesar das atuais demandas por soluções virtuais, o mercado de TI já estava em constante crescimento há anos. Por exemplo, os últimos levantamentos anuais da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) realizados em parceria com a International Data Corporation (IDC) apontam que o mercado brasileiro cresceu 10,5% em 2019 quando comparado a 2018, maior que a média mundial de 5%, que por sua vez já apresentou crescimento de 9,8% em relação a 2017.

“Na mesma frequência que os códigos são aprimorados, vem crescendo o número de registros de autoria e titularidade de softwares junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que dobrou o número de depósitos entre 2017 e 2019. Nesse contexto, as instituições de ensino e pesquisa, além das governamentais, não ficam de fora, sendo responsáveis por 30% dos depósitos, quase mesma parcela do total de registros de empresas de médio ou de grande porte, que ficam com 31% da fatia”, contextualiza Claudio Castanheira, diretor geral do escritório de propriedade intelectual Clarke Modet Brasil.

Nessa demanda crescente por proteção da propriedade intelectual dos códigos-fontes e suas aplicabilidades, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) se destaca como a terceira maior depositante de softwares nacionais, atrás apenas do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Apesar dos bons resultados, a diretora de propriedade intelectual da Unicamp, Raquel Barbosa, analisa que há mais oportunidades em softwares que não foram comunicados. Por isso que a Agência de Inovação da Unicamp (Inova) iniciou algumas mudanças para atender às diferentes possibilidades no setor:

“Sabemos que temos muito potencial para registrar e regularizar mais softwares na Unicamp. Motivo que nos fez rever, dentro das normas do Marco Legal e da Política de Inovação da Unicamp, a Instrução Normativa de Propriedade Intelectual para esclarecer e abranger diversas possibilidades para o registro de software com os autores da Universidade e apoio da Inova. Como as opções de proteção ou abertura do código-fonte para desenvolvedores e como proceder com os licenciamentos gratuitos ou comerciais, que serão avaliados caso a caso com os autores”, detalha Barbosa.

Raquel Barbosa, diretora de Propriedade Intelectual da Unicamp, com perfil tecnológico aberto no Portfólio de Patentes e Softwares da Unicamp

As adequações se expandiram para um novo e mais completo formulário de comunicação de softwares que a comunidade interna da Unicamp pode preencher para ter o apoio da Inova na avaliação e solicitação de registro protegido ou aberto, disponível no site da Inova e que, em breve, terá um sistema de comunicação similar ao de comunicação de invenções. Planeja-se criar para esses softwares registrados, mesmo os que serão licenciados gratuitamente, perfis tecnológicos similares aos que já são criados para as patentes no Portfólio de Patentes e Softwares da Unicamp.

“Toda essa movimentação que estamos fazendo é para garantir uma estratégia adequada de proteção e autoria da propriedade intelectual (PI) da Unicamp, frente ao crescimento de softwares desenvolvidos, já que o software é um dos dispositivos da Lei de proteção da PI. Dessa forma, a Unicamp prospecta suas tecnologias e as transfere para o mercado com a melhor estratégia de proteção, autoria e segurança jurídica possível”, ressalta a diretora de PI da Unicamp sobre a importância da comunicação do software.

Diferença de software livre e licenças gratuitas

Castanheira esclarece que ao optar por um software livre (com código aberto para outros desenvolvedores usarem), em vez de software proprietário, não significa que ele automaticamente é gratuito: “Software livre não é sinônimo de gratuidade e, mesmo que o software seja livre, é possível ser comercializado”, reforça. Outra confusão comum é acreditar que por desejar que o uso seja gratuito, não é necessário criar um registro de autoria ou termos para os licenciamentos sem custo.

“Quem pode usar e como essas linhas de código abertas? Vamos supor que um código da Unicamp está aberto, mas sem autoria ou licença de uso. É possível que alguém ou uma empresa encontre o código aberto, sem licença alguma, e o transforme em código proprietário para comercializar. É isso que o desenvolvedor quer? Pode ser. Mas pode não ser. É bom ter uma regra do que pode e do que não pode fazer com o código aberto”, esclarece o diretor do escritório de propriedade intelectual.

Para além da questão do código, o uso da aplicabilidade dos softwares (abertos ou proprietários) também devem ser realizados com as devidas licenças para se ter segurança jurídica, conforme reforça Iara Ferreira, diretora de parcerias com o setor empresarial da Inova Unicamp:

“Mesmo para licenças gratuitas, é necessário estabelecer termos que regulamentem o uso. Até mesmo por segurança dos autores e da Universidade, como o que é possível ou não com o software, se estão previstas atualizações do sistema e o que o usuário pode esperar dele, assim como já fazemos em diversos aplicativos e sistemas em nosso cotidiano. Como cadastro em redes sociais gratuitas, mas que temos que aceitar os termos de uso”, justifica Ferreira sobre a necessidade jurídica dos termos de uso que a Inova apoia na definição junto à comunidade universitária.

Além da segurança jurídica e da clareza sobre a autoria e possibilidades de uso com o software, quando ele é comunicado para a Inova, é possível que a Agência consiga estabelecer com os autores uma estratégia de distribuição comercializada ou gratuita, além de mensurar o impacto social quando gratuito.

“Alguns docentes e pesquisadores podem pensar que não se está ‘ganhando nada’ com um software que será licenciado gratuitamente e, talvez por isso, não nos comunicam para o registro. Mas não é porque o retorno não é financeiro com os royalties, que não se ‘ganha algo’. Essas licenças gratuitas ainda permitem que um problema seja solucionado. E isso é inovação porque a tecnologia chegou ao mercado. Além de outros parceiros e até empresas verem potencial de inovação do laboratório e, quem sabe, entrarem em contato para novas parcerias de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) com a Unicamp”, defende Barbosa sobre a necessidade de comunicação de software.

CranFlow: software da Unicamp licenciado gratuitamente     

Um dos casos de sucesso da Universidade nessa modalidade de licenciamento gratuito de um software é o sistema CranFlow, de cotitularidade da Unicamp e da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), cuja autoria é da professora Vera Lúcia Lopes, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, da pesquisadora Roberta Aquino (FCM) e da professora Isabella Lopes Monlleó (UFAL), homenageadas nesta edição do Prêmio Inventores na categoria de Tecnologia Licenciada.

Pelo terceiro ano consecutivo, o software web “CranFlow – Craniofacial anomalies: registration, flow and management” foi licenciado por instituições de saúde que desejam contribuir para a “Base Brasileira de Anomalias Craniofaciais” (BBAC) e se beneficiar com o software, que registra consultas e orienta seguimento evolutivo padronizado baseado em recomendações internacionais para descrição de defeitos congênitos craniofaciais e manejo de dados laboratoriais genéticos dos pacientes registrados.

A Basa e o software são resultados do Projeto Crânio-Face Brasil, liderado pelas docentes e pesquisadora, com a participação de outros 10 centros colaboradores e de fomento de órgãos como Fapesp, CNPq e Fapeal. Entre os resultados já obtidos com o software, em 2018 os pesquisadores dos centros colaboradores publicaram no periódico Birth Defects Research que ao analisar 1546 famílias predominantemente diagnosticadas com fendas orais, foi constatado que 55% tinham origem no Nordeste do Brasil, região em que também houve maior frequência nos casos analisados de consanguinidade parental e analfabetismo materno. Entre os caminhos apresentados pela equipe com os dados do software, recomendou-se a necessidade de ações e políticas públicas nesses temas para tratar e prevenir novos casos na região.

Professora Vera Lúcia Lopes, uma das inventoras da CranFlow, com o troféu do Prêmio Abril & Dasa.

Em cada um dos três anos de novos contratos de licenciamento, as autoras foram premiadas na categoria no Prêmio Inventores da Unicamp, sendo que até o fim de 2020 a tecnologia já tinha sido licenciada para oito instituições de saúde. Em 2019, CranFlow foi responsável por cinco dos sete licenciamentos que premiou a FCM como unidade destaque na Transferência de Tecnologia do Prêmio Inventores de 2020.

Além dos reconhecimentos da Universidade, a tecnologia também venceu o Prêmio Abril & Dasa de Inovação Médica na a categoria de Inovação em Genética, cujas três melhores tecnologias finalistas foram selecionadas por jurados especializados e a vencedora foi escolhida por voto popular.