[Artigo] O impacto da propriedade intelectual em novas tecnologias OU o impacto de novas tecnologias na propriedade intelectual?

Vivemos em um mundo tecnológico

A intensidade de uso de tecnologias de ponta em nosso dia-a-dia vem crescendo acentuadamente. Acordamos com novidades em nossos celulares, recebemos frequentemente mensagens promocionais personalizadas, usamos aparelhos inteligentes, monitoramos nossos lares remotamente e em tempo real, gerenciamos nossas finanças a partir de nossos telefones e computadores, analisamos nossos negócios com softwares inteligentes, resolvemos nossas dúvidas e reclamações com chatbots, usamos roupas com propriedades antialérgicas e filtros UV.

Novos negócios advindos destas tecnologias surgem a cada momento em uma “economia do conhecimento”, cuja principal fonte de competitividade é a capacidade de inovar com agilidade e fazendo uso de processamento de elevados volumes de informação. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, OCDE, refere-se a esse conceito como sendo aquele em que o conhecimento é um ativo mais importante que o capital e o trabalho. O Banco Mundial, define-o como sendo aquele em que o conhecimento é gerido de forma mais eficaz para promover o desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido, o conhecimento adquire cada vez mais relevância no desenvolvimento socioeconômico do mundo.

O importante papel da Propriedade Intelectual

Para que o conhecimento agregue valor àqueles que o geram, garantindo a concorrência justa e a segurança do consumidor, o papel desempenhado pela proteção conferida pela Propriedade Intelectual (PI) é fundamental. A PI reúne os múltiplos direitos que são mantidos sobre as criações e invenções do intelecto humano. Estes direitos podem ser de vários tipos, incluindo: patentes, segredos comerciais, direitos autorais, marcas registradas e desenhos industriais; e seu uso ideal deve estar de acordo com a estratégia do titular do direito.

O papel da PI adquire importância ainda maior quando aplicado a tecnologias que impactam simultaneamente múltiplos setores da economia. É interessante analisarmos dois exemplos de tecnologias que se enquadram neste grau de importância, e como eles podem por sua vez impactar o sistema global de PI.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA)

Entre as aplicações mais populares hoje para IA está o processamento de informações de sensoreamento óptico para a operação de veículos autônomos e métodos de controle no campo da robótica. Estes desenvolvimentos são comumente protegidos via patente, no entanto, muitos destes desenvolvimentos envolvem softwares, que têm diferentes abordagens de proteção de acordo com especificidades regulatórias de cada país. Nos EUA, por exemplo, o software é patenteável, enquanto na América Latina não. Nos países onde não é possível proteger o software por meio de patentes, geralmente é utilizada a proteção por direitos autorais. A proteção por meio do segredo industrial é aplicável também, desde que os requisitos estabelecidos por cada jurisdição para essa forma de proteção sejam atendidos.

Em relação aos pedidos de patentes decorrentes da IA, o número de pedidos anuais apresentados entre 2011 e 2017 cresceu mais de 6 vezes e nos últimos 5 anos mais de metade das invenções identificadas foram arquivadas. Somente em 2017, mais de 2.600 pedidos de patentes foram publicados em todo o mundo, de forma destacada em países como China e EUA, por empresas como IBM e Microsoft.

A proteção desse tipo de tecnologia gera novos desafios para a propriedade intelectual. Por exemplo, a IA propõe a transformação de alguns conceitos básicos de PI: “autor”, “inventor”, “compositor”; exigindo repensar a maneira de proteger obras e invenções resultantes da inteligência artificial (música, escritos, obras de arte, tecnologias). Além disso, trata-se de uma tecnologia exponencialmente dinâmica e, portanto, exige formas e/ou métodos de proteção mais ágeis e eficazes em razão da sua natureza.

Com relação ao uso da tecnologia IA para o aprimoramento das ferramentas de PI, existem grandes oportunidades no processamento do elevado volume de informações disponíveis nas bases de dados dos órgãos de registro de PI. Algumas das aplicações estão relacionadas à:

  • Automação de processos: verificação de marcas, identificação do estado da técnica, análise de patenteabilidade, classificação de pedidos de patente, busca e comparação de sequências genéticas
  • Automação e eficiência em processos de vigilância: identificação de imagens para vigilância de marcas e direitos autorais, busca e comparação de sequências genéticas para vigilância de patentes, vigilância do ambiente competitivo
  • Processadores de idiomas: reconhecimento de voz, textos inteligentes

BLOCKCHAIN

As aplicações mais populares para blockchain são: segurança e privacidade de informações, pagamentos e comércio eletrônico, rastreabilidade em cadeias de suprimento, entre outros processos de negócios. As soluções de blockchain são basicamente softwares, sofrendo as mesmas particularidades para proteção que a IA.

Em relação às patentes de blockchain, de 2000 a 2018, mais de 6300 pedidos foram registrados em todo o mundo. Curiosamente, 34% destes pedidos foram requeridos por pessoas físicas. Os principais países com pedidos para essas aplicações são, novamente, a China e os EUA.

Diferentemente da IA, no entanto, as soluções de blockchain podem representar uma ferramenta revolucionária para a proteção e gestão da PI. Por exemplo, são possíveis aplicações em:

  • Registro dos direitos de PI e / ou seu pedido (reivindicação de prioridade)
  • Controle e monitoramento da distribuição de direitos de PI
  • Prova de uso efetivo ou primeiro uso comercial
  • Gerenciamento eletrônico de direitos (por exemplo, sites de música on-line)
  • Acordos de PI, desenvolvimentos tecnológicos em conjunto ICT-Empresa, transferências de tecnologia, etc.
  • Aspectos práticos relacionados à coleta, armazenamento e apresentação de evidências/provas.

Essas aplicações, no entanto, apresentam alguns novos desafios, tais como:

  • Os registros não estão sujeitos a localização geográfica e as leis referentes a ativos intangíveis e direitos de PI são diferentes em cada jurisdição
  • O blockchain não possui reconhecimento legal e entra em conflito com algumas regras de gerenciamento de informações

Como se observa, as novas tecnologias advindas da “economia do conhecimento” e o sistema de propriedade intelectual, giram em torno da mesma espiral, promovendo o desenvolvimento tecnológico.

A propriedade intelectual, continua sendo da mais alta relevância no contexto desta da “economia do conhecimento”, assegurando a proteção de novas tecnologias que virão impactar o uso do sistema global de propriedade intelectual.

O desenvolvimento dessas novas tecnologias impacta o uso do sistema global de propriedade intelectual, imprimindo agilidade, eficiência e segurança no processamento e gestão de ativos intangíveis protegidos por meio da PI.

SANDRA RINCÓN

Clarke, Modet & C° Colômbia

Sandra é Consultora Técnica da Clarke, Modet & C° Colômbia. Com mais de 6 anos de experiência profissional em desenvolvimento de produtos, coordenação de projetos de pesquisa, Sandra trabalhou para uma empresa de renome na indústria automotiva nos departamentos de engenharia e pós-venda, bem como desenvolveu projetos de pesquisa para os setores de cosméticos e biotecnologia.

Formada em Engenharia Química pela Universidad de los Andes (2009), Sandra possui mestrado em Biotecnologia pela Universidad Autónoma de Barcelona (2014).