Unicamp faz primeira cirurgia de crânio com titânio impresso em 3D

No dia 5 de setembro de 2014, em Araçatuba (SP), a jovem Jéssica Cussioli, 23 anos, entrou para as estatísticas de acidentes com motos no Estado. Após bater o rosto em uma caçamba de entulho, devido a uma manobra mal sucedida ao se desviar de um buraco, Jéssica – mesmo de capacete – sofreu um gravíssimo traumatismo crânio/facial e um acidente vascular cerebral (AVC hemorrágico), que resultaram no afundamento do crânio, perda da visão do olho direito e parcial dos movimentos do lado esquerdo do corpo. 

Porém, a conjugação de fé com a ciência resultou em um caso inédito no serviço público de saúde do país. A família se mobilizou e Jéssica se tornou paciente do HC. Hoje ela é a primeira pessoa no país a receber, simultaneamente, três placas de titânio para reconstrução crânio-facial em uma cirurgia que durou mais de 8 horas. Os cirurgiões Paulo Kharmandayan, Davi Calderoni, Herberti Aguiar e Adriano Mesquita da cirurgia plástica e Enrico Ghizoni da neurocirurgia do Hospital de Clínicas da Unicamp estiveram à frente do procedimento inédito no Brasil. A cirurgia foi um sucesso.
 
“Relembrando a história dessa jovem podemos afirmar que ela é uma vitoriosa sob todos os aspectos”, enfatiza o professor Kharmandayan. Ele conta que ficou em dúvida quando recebeu uma ligação do engenheiro da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, André Jardini, sobre a possibilidade de realizarem um procedimento de reconstrução crânio-facial, inédito no país. “A extensão dos problemas eram muitas, mas o desafio era maior ainda e aceitamos”, recorda o chefe da cirurgia plástica do HC.
 
Segundo Paulo Kharmandayan o sucesso da cirurgia se deve ao trabalho multiprofissional de engenheiros, médicos e físicos. “Quando importamos o equipamento ele não vem com manual de aplicações para os estudos e pesquisas. Tudo fomos nós que desenvolvemos e aperfeiçoamos nesses seis anos de projeto”, destaca. A intenção é que as pesquisas se tornem protocolos de medicina para serem adotados num futuro próximo pelo SUS em todo país. “Estamos prontos para treinar outros hospitais e centros de pesquisa”, reforça Kharmandayan.
 
O engenheiro mecânico André Jardini do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Biofabricação (Biofabris), sediado na Unicamp, foi quem manteve o primeiro contato com familiares de Jéssica, em fevereiro desse ano. “Ao relatar a história em um e-mail e links de notícias da cidade sobre o caso, solicitei uma tomografia e ao receber e discutir com o Kharmandayan apostamos no projeto para a prototipagem crânio-facial em 3D com titânio e aperfeiçoamento das técnicas”, lembra Jardini que é pesquisador sênior do Instituto BIOFABRIS.
 
Segundo Jardini o equipamento que produziu a placa de titânio é conhecido como sinterizador direto de metal por laser. Importado da Alemanha e avaliado em R$ 3 milhões o equipamento foi o primeiro da América Latina e pode produzir qualquer tipo de material a partir de pó de titânio. A fabricação da placa levou 20 horas. No BIOFABRIS existem atualmente cerca de 35 linhas de pesquisa envolvendo 250 pesquisadores de 33 instituições e universidades brasileiras, além de 12 convênios internacionais.
 
O conceito de “biofabricação” consiste em utilizar técnicas de engenharia e biomateriais para a construção de estruturas tridimensionais, fabricação e confecção de substitutos biológicos que atuarão no tratamento, restauração e estruturação de órgãos e tecidos humanos. O laboratório, que é ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), reúne pesquisadores de quatro unidades da Unicamp (FEQ, FEM, FCM e o Instituto de Física) e de outras universidades e institutos de pesquisa do país, de diferentes áreas, que trabalham de forma integrada e multidisciplinar nos vários projetos, incluindo o das próteses.
 
O ACIDENTE – No exato momento do acidente em Araçatuba, o neurociurgião da Santa Casa de Araçatuba, Rodrigo Mendonça, que passava pelo local, realizou os primeiros socorros à vítima e imediatamente acionou o hospital, que em pouco tempo receberia Jéssica para uma cirurgia de emergência. Após o procedimento, a perspectiva era de que a paciente tinha 2% de chance de vida, mas ela superou as expectativas e iniciou o processo de recuperação. Até hoje foram quatro cirurgias realizadas.

Além do longo percurso da reabilitação, a família de Jéssica iniciou a procura por uma chance de cirurgia reparadora crânio-facial. A princípio, buscaram as possibilidades particulares, o que se mostrou impossível devido ao preço do procedimento, cerca de R$ 130 mil para um material que era uma resina à base de metacrilato, amplamente usada na medicina. Assim, decidiram pedir a colaboração por meio de doações daqueles interessados em ajudar na campanha, inclusive nas redes sociais.
 
“Quero voltar para casa e poder agradecer na igreja, rever meus amigos, ir ao shopping e terminar minha faculdade”, comenta a jovem em seu leito no 5° andar do HC da Unicamp. O médico Paulo Kharmandayan explica que ela deverá permanecer no hospital por mais alguns dias antes da alta. Sempre acompanhada da mãe, Evani Cussioli, após a alta Jéssica deverá retornar ao hospital em 30 dias para uma nova avaliação, que se repetirá ao longo de 12 meses.

Texto: Caio Lucius e Caroline Roque

Fonte: Portal Unicamp