A cultura de proteção da FEA

Prof. Mirna Gigante, diretora da FEA, está sentada sorrindo em seu escritório

Pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos estiveram envolvidos em 18 dos 72 pedidos de patentes da Unicamp ao INPI em 2018

Texto: Kátia Kishi

Fotos: Thais Oliveira

Com grupos de pesquisas em diferentes campos de atuação e compartilhamento de conhecimento que já chegou a mais de 8 mil alunos, desde cursos de extensão até programas de doutorado, a Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) é premiada como a unidade de Destaque em Proteção da Propriedade Intelectual (PI) na edição de 2019 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O reconhecimento é uma das categorias do Prêmio Inventores, realizado pela Agência de Inovação Inova Unicampcom o objetivo de valorizar os inventores que se envolvem na proteção à propriedade intelectual e em atividades de promoção da inovação e do empreendedorismo de base tecnológica. Para o Destaque em Proteção da Propriedade Intelectual, é contabilizado o total de pedidos de patentes do ano anterior da premiação, sendo que de 72 pedidos de patentes da Unicamp para Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 2018, 18 tiveram a participação de pesquisadores da FEA.

Segundo o diretor-executivo da Inova Unicamp, Newton Frateschi, o destaque da FEA representa “uma cultura de proteção aliada ao potencial inventivo da unidade, que manifesta sua capacidade de pesquisa para benefícios e demandas da sociedade, além de permitir que esse conhecimento retorne em ganhos econômicos para a Unicamp por meio de licenciamento das patentes e na criação de novas empresas spin-off”. Nos últimos 10 anos, pesquisadores da FEA estiveram envolvidos em 111 pedidos de patentes da Unicamp, bem como 16 contratos de licenciamento de tecnologia.

A mesma visão tem a diretora da FEA, Mirna Gigante, que comemora a premiação ressaltando a importância da união entre a unidade e a Agência de Inovação: “A FEA tem várias parcerias de sucesso apoiadas pela Inova, o que cria um ambiente de confiança entre os pesquisadores e as empresas licenciadas. Tanto que, hoje, a unidade se beneficia de royalties oriundos do sucesso de licenciamentos de patentes desenvolvidas na FEA. Portanto, mais que fruto de ações pontuais, essa cultura de proteção da propriedade intelectual é consequência dos próprios resultados que a FEA vem obtendo com essa prática e que inspira outros pesquisadores”.

Gigante também ressaltou que a FEA vem investindo em novas abordagens interdisciplinares para agregar inovação de produtos e processos à formação de profissionais capazes de atender às novas demandas sociais relacionadas aos alimentos. Entre as mudanças na Faculdade, está um novo currículo para os cursos de graduação, que entrará em vigor em 2020 e vai contemplar o empreendedorismo e a sustentabilidade na Engenharia de Alimentos.Outra abordagem da Faculdade é o estímulo à participação de alunos e docentes no Desafio Unicamp, competição organizada pela Inova com o objetivo de criar empresas startups a partir das patentes da Universidade. “No Desafio Unicamp deste ano, ficamos muito felizes quando chamamos os participantes da FEA para uma foto e o palco ficou cheio com nossos alunos e pesquisadores”, surpreendeu-se a diretora.

Sobre o Desafio, a participação da FEA já se converteu em finalistas nas últimas edições e também na criação da startupRubian Extratos, originada na competição de 2014 e que se graduou no processo de incubação da Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp).Hoje, além da Rubian licenciar patentes, a empresareforça sua parceria com a Unicamp no desenvolvimento de novas tecnologias, como detalha o professor da FEA, Julian Martínez: “O trabalho do nosso grupo de pesquisa com a Rubian Extratos começou há alguns anos, a partir do interesse da empresa no que vínhamos desenvolvendo, como a extração de bioativos a partir do bagaço de maracujá que gerou um pedido de patente e também outro licenciamento de tecnologia pela Rubian”.

A interação entre a empresa e a faculdade continua se revertendo em conquistas. Por exemplo, entre os pedidos de patentes de 2018 que concederam o destaque para a FEA, um deles é de cotitularidade da Universidade com a Rubian, explicam Martínez e Philipe dos Santos, pesquisador da Rubian e da FEA. Junto com Márcio Lopes e Juliane Viganó, eles são autores do pedido de patente de um complexo antioxidante contendo bioativos naturais recombinados, obtidos da semente do maracujá, que trazem benefícios para a pele.

Da esquerda para direita estão em pé no laboratório o Dr. Phelipe dos Santos (pesquisador da FEA e da Rubian) e o Prof Julian Martínez da FEA

Da esquerda para direita estão em pé no laboratório o Dr. Phelipe dos Santos (pesquisador da FEA e da Rubian) e o Prof Julian Martínez da FEA

Pesquisa para além do alimento

Os pedidos de patentes da Faculdade de Engenharia dos Alimentos em 2018 abrangem diferentes linhas de pesquisas com potencial de licenciamento por empresas do ramo alimentício, que vão do reaproveitamento de matérias-primasque seriam descartadas até a criação de novos alimentos a fim de atender as demandas e regionalizações dos diferentes perfis de consumidores brasileiros.

Uma dessas invenções é um processo de ultra filtração para se obter em escala industrial o tensoativosurfactina, composto capaz de misturar substâncias polares como água e óleo, desenvolvido pela professora Glaucia Pastore e os alunos de doutorado Aline Zanotto e Cristiano de Andrade.“A ultra filtração é um processo de concentração de uma biosurfactina que se destaca pela redução de tempo de fermentação, antes de 72 horas e hoje de 24 horas, após um pré-tratamento da manipueira (extrato de mandioca) usada como matéria-prima para fermentação. Então, além de permitir a produção em escala industrial, transformamosum subproduto da indústria de alimentos em produto de alto valor agregado”, esclarece Pastore.

Zanotto ainda exemplifica que pelas características do biosurfactante, ele pode ser utilizado com diferentes aplicabilidades, desde os setores agroindustriais ou alimentícios até a produção de cosméticos, detergentes, produtos agroquímicos e biorremediação de petróleo e óleos; nesse último, ela explica que a biosurfactina dissolveria o petróleo em casos de derramamento, mas não é utilizada pelo alto custo de obtenção, que cairia com o processo desenvolvido.

“Outra vantagem de se usar um biossurfactante é que ele é menos toxico, biodegradável, não traz malefícios para o meio ambiente e, além da sua propriedade tensoativa, ele possui outras atividades como antimicrobiana, antiviral, hemolítica e anticancerígena que também podem ser exploradas”, complementa Zanotto.

Da esquerda para direita, estão em pé a Prof. Glaucia Pastore da FEA e a doutoranda Aline Zanotto

Da esquerda para direita, estão em pé a Prof. Glaucia Pastore da FEA e a doutoranda Aline Zanotto

Novos valores, novos produtos

A regionalização brasileira e as mudanças de hábitos mais saudáveis também influenciam as pesquisas na área de alimentos, como um produto cárneo desenvolvido pelos docentes Maria Teresa Clerici e Jorge Behrens e os alunos de doutorado Ana Hamerski, Carla Carrilho e Ulliana Sampaio.

No caso, trata-se de uma combinação de proteínas vegetal e animal que pode ser comercializado na forma em pó (usado em sopas, por exemplo) ou granular para ser reconstituído,como hambúrguer e outras formas, para ser cozido na hora do consumo, sem o uso de aditivos como gordura e sal.Por ocupar pouco espaço, ele também pode ser armazenado na temperatura ambiente, atendendo regiões sem energia elétrica, ou em campings e viagens. Na forma desidratada também reduz o risco microbiológico e reações alérgicas, benéfico para uso em refeições de hospitais, creches, merenda escolar, etc.

Clericiexplica que há uma variedade de ingredientes para se chegar ao produto cárneo (como a substituição proteica parcial por soja, grão de bico, trigo e ervilha), o que oferece opções de consumo para pessoas com alergias e/ou intolerâncias, além de estimular o comércio local: “Cada região pode trabalhar o produto de acordo com o hábito local e fazer o produto na sua região, adaptado ao paladar da população. Por exemplo, ondehá produção de grão-de-bico, usa-se a combinação de grão-de-bico no cárneo. Isso estimula o agronegócio para a economia local, que deixa de importar matéria-prima de outras regiões, e permite a fixação das pessoas com a produção de algo com alto valor agregado”.

Para Behrens, outra vantagem está relacionada ao meio-ambiente, já que o produto viaja menos para abastecer a população. Segundo o docente, o produto também teve uma boa aceitação nos testes sensoriais, que avalia a atitude do consumidor perante ao novo produto, além de haver um seguimento de consumidores que preferem o consumo recombinado de proteína animal e vegetal:“Além da carne, agora o consumidor pode ter produtos totalmente veganos (sem proteína animal), mas também uma terceira alternativa com proteína animal e vegetal juntas emprodutos com boa aceitação sensorial. Além de ser um produto mais nobre, do ponto de vista nutricional, por não ter gordura”, esclarece Behrens.

Da esquerda para a direita estão a Prof. Maria Teresa Clerici, o Prof. Jorge Behrens e a doutoranda Ulliana Sampaio.

Da esquerda para a direita estão a Prof. Maria Teresa Clerici, o Prof. Jorge Behrens e a doutoranda Ulliana Sampaio.