Proteína do bicho-da-seda e algas permitem liberação controlada de medicamento para hipertensão

Pesquisadoras mostram materiais usados na produção das partículas gastrorresistentes

Partículas desenvolvidas com tecnologia da Unicamp ampliam o tempo de ação e reduzem efeitos adversos em pacientes que fazem uso prolongado de anti-hipertensivo valsartana

Texto: Ana Paula Palazi | Foto de capa: Wedja Timóteo Vieira

O abandono do tratamento é uma das grandes dificuldades no controle da hipertensão arterial e insuficiência cardíaca. Estima-se que apenas dois em cada dez adultos diagnosticados com pressão alta estejam com a doença crônica controlada, segundo a Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Uma alternativa para aumentar a adesão ao tratamento pode estar na tecnologia desenvolvida por pesquisadores da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. O invento é capaz de prolongar o efeito terapêutico da valsartana, um dos principais anti-hipertensivos, reduzindo os efeitos colaterais e beneficiando os pacientes, principalmente aqueles que fazem o uso contínuo do fármaco. 

O novo produto é formado por micropartículas com capacidade de aderir à mucosa do intestino. O método consiste em encapsular o princípio ativo da valsartana numa mistura de dois polímeros naturais e abundantes: o alginato, proveniente de algas marinhas, e a sericina, proteína que reveste o casulo do bicho-da-seda. A modificação na forma de liberação da valsartana mantém um tratamento efetivo por mais tempo. 

As partículas formadas na blenda – nome usado para a mistura de polímeros – são gastrorresistentes, ou seja, passam pelo estômago sem serem digeridas. As microesferas carreadoras do princípio ativo chegam íntegras ao intestino, evitando, assim, uma irritação desnecessária da mucosa do estômago. Dessa forma geram maior conforto ao paciente e facilitam a diminuição das dosagens necessárias ao longo do dia, pois garantem a entrega no local de ação.

“O limite recomendado pela Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, para liberação de fármacos no estômago é de 10%. Nossas partículas ficaram bem abaixo disso, liberando apenas 4% nessa fase”, conta a professora, Melissa Gurgel Adeodato Vieira. A pesquisadora explora o potencial da sericina e do alginato para fins ambientais e de saúde desde 2014. 

Segundo o grupo de pesquisa, as partículas também promovem a liberação mais uniforme do fármaco. Isso evita picos de concentração e absorção da valsartana que podem causar sintomas como tonturas e diminuição excessiva da pressão. A liberação da valsartana pelas partículas de sericina e alginato resultou no prolongamento do tempo de liberação do ativo ao ser comparada com a forma farmacêutica convencional. 

“Conseguimos ter uma curva bem mais prolongada, de até vinte e três horas, para o fármaco atingir cem por cento de liberação. Com isso, minimizamos efeitos colaterais e aumentamos o tempo de administração entre uma dose e outra, melhorando a adesão ao tratamento e reduzindo custos para o paciente”, relata a engenheira química, Caroline Santinon, ao citar os resultados dos testes in vitro.

Esquema mostra que a mistura de alginato de sódio com sericina e valsartana gera partículas gastrorresistentes

A técnica já foi usada para incorporar outros fármacos: partículas ainda precisam passar por testes clínicos (crédito: Caroline Santinon)

Viabilidade econômica e ambiental no tratamento de hipertensão

A investigação para o desenvolvimento de novos fármacos mais seguros e eficazes é um processo demorado com várias etapas. Todo medicamento passa por um longo e custoso processo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) até estar disponível para os pacientes. Ao melhorar as características e desenvolver novas formas farmacêuticas a partir de medicamentos comerciais já existentes, as pesquisadoras aceleram os avanços na área aumentando a efetividade dos produtos.

“Ao invés de propor um novo insumo farmacêutico ativo e uma nova droga para diminuir efeitos colaterais, partimos de uma droga já existente e tentamos adequar. O custo é muito menor e o benefício é muito maior, tanto do ponto de vista econômico quanto humano”, explica a professora e pesquisadora, Meuris Gurgel Carlos Da Silva, sobre as vantagens do sistema de liberação controlada desenvolvido na Unicamp.

Os insumos escolhidos para a mistura também apresentam apelo ambiental. O alginato é um carboidrato proveniente de algas marinhas marrons, como os sargaços, que cobrem as praias em determinadas épocas do ano. A sericina, por sua vez, é uma proteína que une os fios do casulo do bicho-da-seda, mas descartada pela indústria têxtil em águas residuais. 

“São materiais naturais, atóxicos, biocompatíveis e bioabsorvíveis que não causam nenhum dano ao paciente. Viáveis tecnicamente e que têm potencial para agregar valor. É uma tecnologia competitiva”, completa Da Silva.

A inovação foi desenvolvida com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A técnica já foi usada pelo grupo de pesquisa para incorporar outros insumos farmacêuticos ativos (IFAs) que resultaram no depósito de um pedido e duas adições de patente, realizados pela Agência de Inovação da Unicamp. Todos fazem parte do Portfólio de Patentes e Softwares da Unicamp

“Procuramos por IFAs que tenham compatibilidade com a nossa blenda e apresentem problemas nas formas farmacêuticas comerciais. Já trabalhamos com o diclofenaco de sódio e o ibuprofeno. Numa segunda pesquisa, aplicamos com cetoprofeno e naproxeno, todos  anti-inflamatórios, e com a furosemida, que é um diurético. Agora, trazemos a valsartana”, elenca Melissa Gurgel Adeodato Vieira. 

Avaliação de estabilidade para a valsartana

O diferencial da tecnologia proposta para a valsartana está na adição de um agente reticulante extraído das sementes da uva. A proantocianidina (PA), também conhecida como tanino condensado, aumentou a eficiência de incorporação das formulações testadas e melhorou a interação das microesferas de alginato e sericina durante o teste de estabilidade em cápsulas gelatinosas tradicionais de medicamentos.

“Algumas partículas acabam absorvendo um pouco da umidade e se aderindo à cápsula gelatinosa, isso inviabiliza o uso do medicamento por vários motivos. Ao adicionar esse agente reticulante percebemos que a cápsula fica íntegra e perfeita mesmo após seis meses”, relata Santinon. Os ensaios aconteceram em câmara climática com temperatura e umidade controladas que simulam um estado de prateleira avançado.

O próximo passo é testar as partículas em outros modelos de estudo. Segundo o grupo, não é possível prever quando a inovação chegará ao mercado, pois ainda são necessários testes em animais e testes clínicos. Para essa etapa do processo, a Inova Unicamp busca a parceria com empresas públicas ou privadas que estejam interessadas em obter formas mais seguras e eficazes de administração oral de fármacos. 

Saiba mais sobre a tecnologia com valsartana

  • Para mais informações sobre o perfil desta e de outras tecnologias da Universidade Estadual de Campinas acesse o Portfólio de Patentes e Softwares da Unicamp. 
  • O Relatório Anual completo da Agência de Inovação está disponível para download e consulta. 
  • Baixe também a Revista Prêmio Inventores e leia mais reportagens sobre patentes concedidas e tecnologias licenciadas da Unicamp. 
  • Empresas interessadas no licenciamento podem entrar em contato com a Inova na área Conexão com Empresas