Tecnologia associa prata ao anti-inflamatório nimesulida para tratamento de câncer de pele

Foto em sala fechada mostra três pesquisadores brancos, um homem e duas mulheres. Eles estão ao lado de um computador no qual a tela projeta uma imagem em preto e branco que se refere aos testes feitos com o curativo anticâncer. fim da transcrição

O dispositivo aplicado sobre a pele reduziu em até 100% os carcinomas de células escamosas nos testes de laboratório. Nova terapia pode ser alternativa a tratamentos de alto custo e cirurgias; e aguarda parcerias para avançar nos ensaios clínicos.

Texto: Ana Paula Palazi | Foto de Capa: Pedro Amatuzzi/Inova Unicamp

Uma espécie de curativo formado por uma membrana de celulose bacteriana impregnada com um metalofármaco (fármaco que contém metais na composição) promete aprimorar o tratamento de pacientes com o câncer de pele. O “curativo” possibilita a liberação controlada do metalofármaco e reduz um tipo específico de câncer conhecido como carcinoma de células escamosas

A membrana é um biopolímero e funciona como um suporte de liberação do princípio ativo que inclui íons de prata e o anti-inflamatório nimesulida. O dispositivo foi aplicado em camundongos com câncer de pele com remissão total do tumor em quatro de cada 10 animais tratados. Os resultados inéditos foram divulgados, no final de fevereiro, pela revista científica Pharmaceutics.

O invento foi desenvolvido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com a Universidade de Araraquara (Uniara). A tecnologia passou pelo programa de aceleração ASTRo (Applied Science Trail Roche), da Roche e Biominas Brasil, em 2019; teve a patente depositada pela Inova Unicamp e aguarda parcerias para avançar no desenvolvimento de um produto que possa ser usado em humanos.

Leia mais: Equipe da Unicamp e Uniara ficou em 1º lugar no Programa ASTRo Roche 2019 de inovação em pesquisa.

O carcinoma de células escamosas (CCE) de pele é o segundo tipo mais frequente de câncer no mundo, segundo dados do Observatório Global de Câncer e do Instituto Nacional do Câncer (INCA) do Brasil. Ele pode ocorrer em todas as partes do corpo, embora seja mais comum em áreas expostas à radiação solar, como o rosto, couro cabeludo, braços e pescoço.

“A busca por novos compostos e novos tratamentos é uma necessidade premente, particularmente em um país tropical como o nosso, onde as pessoas se expõem muito ao sol”, diz Carmen Silvia Passos Lima, professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. 

Menos invasivo e com efeito prolongado

O dispositivo de uso tópico funciona como um sistema de liberação lenta do complexo com o metalofármaco (AgNMS). A membrana desenvolvida na Uniara recebeu o composto desenvolvido na Unicamp e o conjunto foi colocado sob um adesivo.  O “curativo” pode ser produzido em diferentes tamanhos e formatos ajustados aos tumores. Nos ensaios laboratoriais in vitro (em placas) o tempo de liberação foi acompanhado por até 216 horas, em um dos casos. No estudo in vivo (com camundongos), o curativo foi trocado a cada três dias, permanecendo ativo, liberando a medicação no período.

“Com isso, podemos aumentar a adesão dos pacientes ao tratamento, evitando aplicações frequentes. Não existe ainda, até onde sabemos, nenhum fármaco à base de prata aprovado para o tratamento tópico de pacientes com câncer de pele”, comenta Pedro Paulo Corbi, professor e pesquisador do Instituto de Química (IQ) da Unicamp.

Os tratamentos atuais para pacientes com o carcinoma de células escamosas de pele incluem medicamentos de alto custo ou que apresentam efeitos indesejáveis, como reações e irritações cutâneas, além das cirurgias. A ressecção cirúrgica pode causar mutilações e desfigurar os pacientes, com a perda da região afetada, sendo muitas vezes necessário o implante de próteses. 

Os pesquisadores acreditam que com o “curativo” seria possível diminuir as áreas a serem retiradas e até evitar cirurgias, melhorando a qualidade de vida dos pacientes. 

Como funciona o “curativo” para tratamento do câncer de pele?

O sol induz um processo inflamatório na pele que leva às mutações celulares e câncer. A exposição à radiação ultravioleta prolongada pode modificar a estrutura do DNA de células da pele. Os complexos de prata com anti-inflamatório inseridos na membrana atuam inibindo a proliferação das células tumorais (atividade citostática) ou provocando a morte celular (atividade citocida), como um quimioterápico. 

A prata já é descrita há séculos por sua atividade antimicrobiana e mais recentemente foi considerada um potencial quimioterápico. A nimesulida, anti-inflamatório consolidado na medicina,  associada à prata reduz a inflamação desencadeada pela ação do sol, aumentando a efetividade do composto. 

arte mostra desenho de camundongo com carcinoma de células escamosas, em seguida é tratado com o curativo tópico e após 21 dias tem remissão do câncer sem recidiva. Fim da transcrição.

Os animais tratados com o “curativo” anticâncer apresentaram redução de quase 75% nos tumores de pele e a remissão total dos tumores foi observada em quatro de cada dez camundongos tratados. Por outro lado, o aumento nas dimensões dos tumores foi observado no grupo controle, em animais não tratados com o “curativo” anticâncer. 

“O efeito anticâncer final observado muito provavelmente pode ser atribuído à combinação de efeitos antiproliferativo e anti-inflamatório observada para o complexo de prata com nimesulida. Dessa forma, o tratamento permitiu um controle da progressão do tumor por ação de diferentes alvos terapêuticos”, explica Ana Lúcia Tasca Gois Ruiz, pesquisadora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp.

O baixo custo e a facilidade no preparo da membrana são vantagens adicionais para o desenvolvimento comercial do dispositivo. Para chegar ao mercado, a tecnologia ainda precisa passar por outros estudos para ampliar a compreensão do mecanismo de ação e os efeitos em humanos. As empresas que desejarem firmar parcerias de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) com o grupo ou licenciar a tecnologia podem entrar em contato com a Agência de Inovação Inova Unicamp. 

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