Spin-off da Unicamp desenvolve teste que sinaliza precocemente resposta a antipsicóticos

Foto colorida mostra em primeiro plano garrafas transparentes com tampas azul, branca e verde das quais saem tubos leitosos que se interconectam. Ao fundo o rosto do professor Daniel, homem jovem, branco e de cabelos escuros que usa máscara branca aparece. Ele segura uma amostra de plasma sanguíneo em um tubete de vidro com tampa azul e olha para ela. Fim da descrição
A empresa Quarium busca viabilizar comercialmente um exame de sangue que pode indicar a eficácia ao tratamento medicamentoso em pacientes diagnosticados com esquizofrenia a partir de um novo método desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas.

Esta reportagem compõe a série Prêmio Inventores | Texto: Ana Paula Palazi | Fotos: Pedro Amatuzzi – Inova Unicamp

Um exame de sangue comum, processado a partir da técnica de lipidômica, pode ajudar a sinalizar precocemente a resposta a diferentes tratamentos com antipsicóticos de pacientes diagnosticados com esquizofrenia, antes de serem submetidos à medicação. O novo método foi o principal resultado de um estudo desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

A pesquisa coordenada pelo professor e pesquisador do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, Daniel Martins de Souza, identificou um conjunto de biomarcadores associados com a melhoria dos sintomas em resposta ao uso de três antipsicóticos atípicos, que fazem parte da segunda geração de remédios desenvolvida para tratar os sintomas da esquizofrenia.

“A grande vantagem dessa tecnologia está na simplicidade da preparação da amostra e na rapidez da leitura. Os resultados do exame podem ficar prontos no mesmo dia e auxiliar os médicos servindo de parâmetro na prescrição do melhor tratamento desde o momento do diagnóstico”, conta o pesquisador.

Os resultados inéditos foram protegidos pela Agência de Inovação Inova Unicamp e o novo método foi licenciado, em 2021, para a Quarium, uma spin-off da Unicamp. A empresa criada a partir de uma tecnologia ou conhecimento produzido na Universidade busca viabilizar comercialmente um exame potencial para identificar precocemente a resposta ao tratamento com antipsicóticos e possibilitar um prognóstico mais personalizado e preciso.

A esquizofrenia é considerada um dos mais graves transtornos psiquiátricos que afeta aproximadamente 24 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, são cerca de 1,6 milhão de pessoas que convivem com essa condição mental crônica e incapacitante que não tem cura conhecida. Os sintomas que incluem delírios e alucinações em períodos críticos podem ser controlados com medicações antipsicóticas, mas uma das dificuldades enfrentadas pelos pacientes está na adaptação à terapia que pode levar de quatro a seis semanas

A literatura científica mostra que aproximadamente 40% dos pacientes não respondem adequadamente à medicação e cerca de 60% abandona o tratamento devido aos efeitos colaterais. Como consequência, as funções cognitivas e relacionadas ao humor dessas pessoas podem não melhorar, comprometendo a recuperação e afastando os indivíduos do convívio social

“A resposta à medicação é imperativa desde o início no diagnóstico, pois a medida que a doença evolui, o paciente que não melhora ou não tolera os efeitos colaterais de determinado antipsicótico pode ter novos surtos psicóticos e registrar um declínio cognitivo irrecuperável”, explica Licia Carla da Silva Costa, fundadora da startup Quarium

Como o método foi desenvolvido

O método diagnóstico identifica o perfil lipídico, uma espécie de assinatura das moléculas de gordura no plasma sanguíneo (a parte líquida do sangue), que estaria associado com a melhoria dos sintomas da esquizofrenia

A pesquisa que levou ao invento analisou o sangue de 54 pacientes diagnosticados com esquizofrenia, que nunca haviam feito uso de medicamentos. As amostras foram coletadas na clínica psiquiátrica da Universidade de Magdeburg, na Alemanha e analisadas com a colaboração dos laboratórios de inovação da empresa Waters Technologies do Brasil

Os voluntários estavam em jejum no momento da coleta e foram tratados com algum dos antipsicóticos atípicos (segunda geração): olanzapina, risperidona e quetiapina. Cada paciente tomou apenas um tipo de medicação e novas amostras de sangue foram coletadas seis semanas depois do início da terapia.

Analisamos os lipídios que são as gorduras que temos no sangue e percebemos que os pacientes que respondem bem para as diferentes medicações tendem a processar melhor as proteínas. As alterações observadas podem destacar novos alvos para o desenvolvimento de novas abordagens ou refinar os medicamentos atuais”, explica Souza.

Foto colorida mostra a mão de uma pessoa, vestindo luva azul, segurando um frasco de vidro com tampa azul sobre uma base de plástico do tipo colmeia onde estão outras cerca de trinta amostras de plasma sanguíneo. Fim da descrição.

A tecnologia apresenta potencial para reduzir o número de pessoas com esquizofrenia que não respondem adequadamente ou abandonam o tratamento.

Novos estudos para validação do teste

Atualmente, o diagnóstico e a prescrição de remédios para esquizofrenia são feitos com base em análises clínicas e na experiência dos psiquiatras. O novo método poderá permitir tratamentos mais eficazes e personalizados com uma melhor escolha do medicamento logo no início da terapia. Como resultado, é esperada a melhoria dos sintomas e a diminuição do tempo de debilidade, além de contribuir para a redução da severidade da doença.

“O produto que propomos é inexistente no mercado e tem a possibilidade de oferecer uma solução inovadora aos psiquiatras e pacientes, permitindo mais prescrições bem sucedidas e maior qualidade de vida a essas pessoas”, diz a empreendedora. 

Diversos estudos de biomarcadores e assinaturas moleculares em psiquiatria concentram-se no diagnóstico do distúrbio e não na terapia, comenta Costa. Psiquiatras contatados pela empresa apontaram ainda a importância de estabelecer os riscos de efeitos colaterais específicos, como a síndrome metabólica, associada ao uso de antipsicóticos de segunda geração, que se não monitorados, podem levar à morte. 

O objetivo da Quarium é viabilizar um modelo de exame comercialmente viável validando os resultados da pesquisa com um número maior de pacientes, agora brasileiros. Para isso, a startup busca oficializar parcerias com instituições de pesquisa em saúde que atendam pacientes com esquizofrenia no país. 

Além dos dados lipidômicos e clínicos, a startup ainda planeja empregar técnicas de machine learning e tentar incluir, nessa segunda fase de desenvolvimento, antipsicóticos de outras classes químicas. O estabelecimento e otimização do método de análise direcionada aos marcadores lipídicos de resposta recebeu financiamento do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da Fapesp. 

Prêmio Inventores 2022

Inventores premiados neste licenciamento:

Prof. Daniel Martins de Souza (IB-Unicamp), Adriano Aquino (IB-Unicamp), Johann Anton Christian Steiner (University of Magdeburg), Guilherme Lionello Alexandrino (IQ- Unicamp), Michael Murgu (Waters Technologies do Brasil), Alexandre Ferreira Gomes (Waters Technologies do Brasil) e Prof. Fábio Augusto (IQ-Unicamp) foram premiados na categoria Propriedade Intelectual Licenciada no Prêmio Inventores 2022.

Spin-off homenageada:

A Quarium é uma empresa recente no mercado que tem no seu core de negócios uma tecnologia da Unicamp. A startup que passou pela pré-incubação na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp) trabalha na busca por soluções que auxiliem na seleção de medicamentos relacionados à saúde mental, por meio de tecnologias ômicas (campo de estudo que lida com grandes quantidades de dados como a lipidômica) aplicadas à medicina de precisão.

Programação de homenagens

Essa matéria faz parte da série de reportagens produzida pela Inova Unicamp sobre algumas das tecnologias licenciadas, que podem ser lidas pelo site da Inova e também em formato ebook na Revista Prêmio Inventores (com lançamento previsto para junho). Também já está agendado um webinar com conteúdo sobre propriedade intelectual e transferência de tecnologia para o dia 08 de junho (inscrições abertas ao público geral).

Confira todos os premiados no site do Prêmio Inventores da Unicamp.

Os patrocinadores do Prêmio Inventores 2022 são: ClarkeModet; 3M; Neger Telecom; Pulse Hub