Correio Popular | Borracha ecológica é criada em laboratório da Unicamp

Foto colorida do professor Stanislav segurando uma amostra da borracha, um circulo preto. Ao fundo, há uma torre prateada que faz parte de um dos equipamentos do laboratório. Fim da descrição.
Material utiliza-se de compostos biocompatíveis, que melhoram a sua resistência

Texto: Edimarcio A. Monteiro/Correio Popular | Foto: Rodrigo Zanotto/Correio Popular

Uma nova variedade de borracha verde está sendo produzida a partir da mistura de materiais biocompatíveis. O produto foi desenvolvido por pesquisadores do Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias da Universidade Estadual de Campinas (CCSNano/ Unicamp). Obtida por meio da associação do grafeno, látex e celulose, a borracha tem características que possibilitam diversas aplicações de produção, que vão de pneus e equipamentos aquecidos até a substituição de metais nas áreas de química e biomedicina.

“Com essa tecnologia, mostramos que é possível criar propriedades mecânicas e elétricas interessantes na borracha, dando um passo a mais para o desenvolvimento de produtos inovadores”, afirma o físico Stanislav Moshkalev, um dos pesquisadores envolvidos no desenvolvimento da borracha. Entre as principais vantagens estão a maior vida útil do produto e o menor impacto ambiental na produção, além de eliminar ou reduzir o uso de enxofre e outros produtos químicos na etapa de vulcanização.

Na natureza, o enxofre pode ser encontrado como macronutriente estrutural de plantas e minerais. Dessa forma, caso ocorra uma exposição prolongada a ele, isso pode resultar em sinusite e doenças pulmonares crônicas, como enfisema, bronquiectasia e asma. Além disso, o manuseio por longos períodos sem a proteção adequada provoca lesões eritematosas e ulcerosas na pele. O enxofre é responsável por romper as ligações duplas das moléculas do látex, unindo-se a elas, o que resulta no aumento da resistência e consistência da borracha.

Como é manufaturada

De acordo com Moshkalev, indústrias já manifestaram interesse na nova borracha verde, com a definição de suas características e aplicações dependendo de novas pesquisas para definir seus usos comerciais. O grafite adicionado em sua produção é um mineral ultraleve e abundante no Brasil, cuja consistência é macia e maleável.

Para aumentar a sua resistência mecânica, ele é combinado ao látex e à celulose, que é extraída da semente tanchagem ou tansagem, planta de origem europeia, mas largamente encontrada no Brasil e conhecida principalmente por seus fins terapêuticos. “Assim como o papel, os filmes de grafite se rasgam facilmente”, explica o pesquisador da Unicamp. A nova borracha verde é o resultado de uma linha de pesquisa desenvolvida há dois anos pela CCSNano para aplicações de vários produtos, como polímeros, acrílico e biopolímeros. Os estudos também contam com a participação dos pesquisadores Raluca Savu e Junko Tsukamoto.

O novo produto já teve a sua patente depositada no Instituto Brasileiro de Propriedade Industrial (Inpi), através da Agência de Inovação da Unicamp (Inova). “Nosso trabalho é criar novos materiais nanoestruturados e dispositivos para variadas aplicações. Assim, conseguimos chegar a uma mistura adequada, que conferiu novas propriedades à borracha verde, feita do látex. A partir de materiais grafíticos e nanocelulose, num trabalho multidisciplinar, desenvolvemos um filme flexível, que é bom condutor de eletricidade e de calor”, explica Moshkalev.

Uma das aplicações possíveis é o revestimento de sensores e eletrodos para exames e tratamentos médicos. Ele também pode ser usado para a produção de roupas de mergulho, luvas e outros itens.

As pesquisas desenvolvidas na Unicamp resultaram na concentração ideal dos materiais usados na produção, o que resultou nas mudanças das propriedades físicas, químicas e térmicas da borracha. “Utilizamos a quantidade mínima de látex e ajustamos as proporções. Mas vimos que apenas o látex não era suficiente para garantir a estabilidade e resistência que buscávamos. Foi então que tivemos a ideia de associar o gel das sementes da tanchagem para conferir as propriedades esperadas da forma mais simples e sustentável”, explicou a engenheira Junko Tsukamoto, que possui conhecimentos nas áreas de química e alimentos. “Diferentemente de um metal, que é rígido, esse compósito condutor, à base de borracha verde, pode ser dobrado, que voltará à sua forma original”, completa Moshkalev.

Uma utilização possível da borracha verde é na produção de palmilhas aquecidas flexíveis para sapatos. Nos testes de laboratório, o novo material manteve-se aquecido em temperatura constante por até 4 horas, com uso de pilhas comuns do tipo AA, facilmente encontradas no comércio e usadas em aparelhos eletrônicos.

Diferenças do material

As palmilhas teriam grande aplicação em frigoríficos, gerando conforto térmico para as extremidades do corpo. “São pelo menos 500 mil pessoas trabalhando diretamente no frio [em frigoríficos]”, explica o físico da Unicamp. Segundo ele, a borracha verde não oxida, diferentemente do que ocorre com um metal. A combinação de grafeno e nanocelulose já é aplicada, por exemplo, na fabricação de eletrodos flexíveis para o armazenamento de energia com supercapacitores.

No entanto, a diferença do material desenvolvido na Unicamp está na mistura de compostos naturais com a possibilidade de uso de água no lugar de solventes orgânicos. “Ao desenvolver o estudo que resultou na tecnologia, pensamos no tripé da sustentabilidade envolvendo o social com uso de matérias-primas locais, o econômico, na busca de redução de custos e do ambiental, eliminando etapas agressivas do processo”, diz Junko.

Os materiais usados no novo produto também indicam facilidade na reciclagem e maior capacidade para a decomposição, o que reduz seu impacto ambiental.

Especialistas estimam que a degradação total da borracha usada comercialmente chegue a 600 anos, causando inúmeros danos ao meio ambiente quando descartada de forma incorreta.

Para reduzir esse impacto, uma das alternativas empregadas é a reciclagem dos pneus de veículos. Anualmente, são produzidas cerca de 40 milhões de unidades no Brasil, concomitantemente a outras 160 milhões de unidades consideradas velhas e inutilizáveis. Parte desse total é usado para alimentar fornos e caldeiras em indústrias, como as de cimento usado na produção de asfalto ecológico, solado de calçados e pisos industriais e de quadras poliesportivas.

Segundo empresas que atuam na reciclagem, 100 pneus derretidos podem se transformar em até 75 quilos de aço, 150 quilos de carvão mineral e 125 litros de óleo, com o gás produzido no processo utilizado nas próprias caldeiras do local.

Produção

O país produziu no ano passado 234,7 mil toneladas de borracha, sendo São Paulo o maior estado produtor, concentrando praticamente metade da área plantada, de acordo com a Associação Brasileira de Produtores e Beneficiadores de Borracha Natural (Abrabor). Porém, o Brasil não é auto suficiente nessa matéria-prima, com o consumo chegando a 417 mil toneladas, o que faz com que 182,3 mil toneladas sejam importadas, principalmente de países asiáticos, como a Tailândia e a Indonésia.

O quilo da borracha natural estava cotado no último dia 9 de outubro entre R$ 4,30 e R$ 5,20, de acordo com o teor da borracha seca, segundo o último levantamento divulgado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), órgão da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. “O Brasil tem total condição não apenas de ser autossuficiente na produção de borracha natural, como também de se tornar um importante player mundial. A oportunidade está aí! Temos recursos, mão de obra, tecnologia, sustentabilidade social e ambiental”, afirma o diretor executivo da Abrabor, Fernando do Val Guerra.

A expectativa é a de que a produção nacional possa chegar a 600 mil toneladas de borracha natural, o que representaria algo próximo de 5% do total mundial. Segundo o analista de mercado Heiko Rossmann, o Brasil precisaria se tornar exportador da commodity para ser realmente relevante no cenário global da borracha natural. Além disso, ganharia ainda mais importância à medida que o aumento da produção na Ásia se torna limitado pela menor disponibilidade de terras para o plantio de seringueira, especialmente quando se considera a questão da segurança alimentar.

Matéria original publicada no Correio Popular.