Tecnologia verde da Unicamp utiliza casulo de bicho-de-seda para a extração de metais nobres e tóxicos

Imagem em destaque da extração de sericina em tubos de ensaio, nas mãos de uma pesquisadora. Fim da descrição.
Método desenvolvido por pesquisadores da Unicamp e da UEM pode ser aplicado em diversas indústrias para promover economia circular.

Texto: Agnes Sofia Guimarães | Foto: Pedro Amatuzzi-Inova Unicamp

Peças importantes da indústria têxtil, casulos de bicho-de-seda fornecem fios para roupas de seda que, muitas vezes, são produtos de alto valor agregado para a moda. Um problema dessa cadeia industrial é que no processo de retirada dos fios mais valiosos para a produção de tecidos, sobram resíduos que ainda são considerados poluentes. 

Em busca de formas de reaproveitar os resíduos dessa indústria, pesquisadoras da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (FEQ Unicamp), em parceria com pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM), desenvolveram uma tecnologia em que,  do material residual proveniente do casulo de bicho-de-seda, é possível realizar um processo de extração de metais nobres e tóxicos.

O invento, cuja propriedade intelectual foi protegida com apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp, busca utilizar a sericina, um dos componentes presentes na formação dos casulos para essa extração. A partir do desenvolvimento de blendas, uma mistura de moléculas, a partícula pode ser utilizada para a remoção de metais tóxicos na água ou de metais nobres, como paládio, ouro e prata.

A tecnologia também é uma alternativa mais barata e ambientalmente sustentável em relação ao carvão ativado, despoluente utilizado pela indústria para o reaproveitamento destes metais. Outra aplicação da sericina está na remoção de metais a partir de fontes secundárias – equipamentos e jóias em desuso, por exemplo. Um processo que poderia ser destacado como uma logística reversa de pós-consumo. 

Pós-consumo e Economia Circular 

Conceito relacionado ao reaproveitamento de produtos adquiridos após o seu fim de vida útil, pós-consumo tornou-se uma exigência legal para diversas empresas a partir da lei 12.305/2010, que determina coleta e reciclagem de produtos e seus resíduos após o consumo do cliente final. Entre os nichos industriais que devem realizar o processo, estão empresas de produtos eletrônicos e seus componentes e produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, de acordo com o artigo 33 da legislação.

Após o despertar da importância do tema, o Brasil passou por avanços nos últimos anos. De acordo com dados do Governo Federal, enquanto que, em 2019, foram recolhidas pouco mais de 16 toneladas desse material, em 2020 esse número passou para 105 toneladas e, em 2021, mais de 1,2 mil toneladas de lixo eletrônico foram recolhidos e deixaram de ser descartados no meio ambiente

Apesar dos avanços, o Brasil ainda é o quinto maior produtor de lixo eletrônico, segundo relatório da Pesquisa Resíduos Eletrônicos; estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) também destaca que, na América Latina, ainda houve um aumento de 49% no descarte irregular de lixo eletrônico na última década. 

Dados que apresentam o potencial das blendas da sericina como uma tecnologia verde ou com impactos positivos ao meio ambiente, conforme explica a professora da FEQ Unicamp e uma das coordenadoras do projeto, Melissa Gurgel Adeodato Vieira. 

“Os adsorventes que desenvolvemos com as blendas têm uma alta afinidade que ajuda na extração dos metais nas fontes secundárias, o que ajuda a fechar um ciclo de economia circular: a gente não faz a recuperação dos equipamentos em desuso, mas dos metais que estão ali dentro, o que também contribui para a retomada desses produtos para o ciclo produtivo”, detalha Vieira

De acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), cerca de 76% das empresas brasileiras já desenvolvem alguma ação de Economia Circular – um cenário favorável de oportunidades para a aplicação da sericina pela indústria.

Técnica reaproveita resíduos da sericultura para criação de solvente 100% verde.

Tecnologia social para a agricultura familiar

A tecnologia das blendas de sericina também traz um impacto social: a abertura de mais oportunidades de negócio para produtores de sericicultura. 

A sericicultura, ou a criação de bicho-de-seda, hoje é uma atividade econômica muito vinculada à agricultura familiar. Estima-se que no Paraná, maior produtor de casulos de bicho-da-seda do Brasil, haja mais de 1.800 produtores, que seriam responsáveis por 84% da produção nacional, de acordo com o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR Paraná)

A atividade econômica também é considerada uma produção limpa, já que não utiliza agrotóxicos. 

Com a demanda pelo uso da sericina presente nos casulos, a tecnologia desenvolvida pela equipe de pesquisadores da Unicamp e da UEM pode contribuir para ligar as redes de produção familiares a novas pontas da cadeia produtiva, se houver o licenciamento de uma instituição ou empresa que atue no setor para levar a tecnologia para sociedade. 

“O Brasil é um dos países que mais produzem artefatos a partir de sericicultura, mas a indústria têxtil é muito exigente quanto a extração dos fios, há um modo correto de abrir os casulos pelos produtores que, depois da retirada do que interessa para a indústria, necessitam descartar os resíduos gerados. Então se você consegue reaproveitar a sericina a partir desses resíduos, também ajuda a valorizar toda uma cadeia que é fortemente familiar no país”, conclui uma das coordenadoras da Unicamp do projeto, Meuris Gurgel Carlos da Silva, professora da FEQ.

Atualmente, a patente faz parte de um conjunto de inventos que exploram a aplicação das blendas para diversos setores, que vão além da extração de metais nobres, como a criação de materiais para extrair ou incorporar componentes que beneficiam a indústria cosmética e a indústria farmacêutica.

O ineditismo da pesquisa científica e o potencial de aplicação das blendas de sericina como tecnologia verde e fomentadora de economia circular, levou a Inova Unicamp a solicitar a proteção da propriedade intelectual do invento no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Atualmente, a tecnologia faz parte do Portfólio de Tecnologias da Unicamp e está disponível para licenciamento. 

Empresas e instituições públicas ou privadas interessadas na transferência da tecnologia para promover a inovação de seus produtos ou processos podem entrar em contato diretamente com a Inova Unicamp pelo formulário de conexão pesquisa-mercado disponível no site da Agência

Além do acesso a tecnologias de ponta, a transferência de tecnologia reduz riscos associados ao desenvolvimento de novos produtos e processos e colabora para o desenvolvimento socioeconômico baseado no conhecimento científico.