Pesquisadoras da Unicamp desenvolvem dispositivo que permite a construção de casas com tubos de papelão

Foto do conector impresso em 3D posicionado sobre uma mesa de cor clara. A peça possui um centro quadrado de cor preta e em cada uma de suas faces sai um tubo redondo onde se conecta o tubo de papelão para formar a estrutura construtiva. Fim da descrição.
Invenção trata-se de um conector para interligar os tubos que, em conjunto, formam a estrutura das paredes. Uso do material pode ajudar a viabilizar construções mais rápidas, leves, baratas e ambientalmente sustentáveis.

Texto: Rebecca Crepaldi | Fotos: Murilo Barros

Em época de mudanças, é costume pegar caixas de papelão para empacotar seus pertences. Quando vamos pintar uma parede, também forramos o chão com papelão aberto para impedir que a tinta respingue no piso. Mas, e se esse material pudesse ir além dessas utilidades? Uma tecnologia desenvolvida na Unicamp com depósito de patente feito pela Agência de Inovação Inova Unicamp abriu outras possibilidades e trouxe o uso de papelão para construções. 

A pesquisa foi desenvolvida com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela engenheira civil e mestranda na Faculdade de Tecnologia (FT-Unicamp), Nathália Schimidt Dias, com orientação da professora Gerusa de Cássia Salado, especialista na área de tecnologia das construções. “Essa estrutura com papelão que desenvolvemos pode ser utilizada para construir uma residência, uma escola, um hospital, um estabelecimento comercial”, elencou Gerusa.

A invenção trata-se de um dispositivo que conecta tubos de papelão na vertical e horizontal para formar uma estrutura semelhante a uma gaiola. Do lado externo e interno dessa estrutura são colocados os painéis de vedação para fechamento das paredes, que podem ser de gesso acartonado ou cimentício. “Você faz uma estrutura que parece uma gaiola de passarinho. Ao invés de usarmos o aço, fazemos o sistema com tubos de papelão que são preparados a partir de nossa invenção para a fixação dos painéis de vedação”, ilustra a professora.

A escolha pelo papelão se deu pelas questões ambientais. As pesquisadoras defendem que os tubos sejam fabricados a partir de papel descartado. “A nossa ideia é pegar um material que provém de reciclagem para diminuirmos o volume nos aterros sanitários, porque não faz sentido derrubar uma árvore para fazer papel de primeira linha, já que um dos materiais que mais descartamos é o papel. E como é feito de papel descartado, se um dia tiver uma demolição, os restos da construção também podem ser reciclados e formar novos produtos”, explicou Gerusa.

Além da sustentabilidade, tudo foi pensado para que, em um futuro, as estruturas possam ser pré-fabricadas, gerando praticidade e barateando as construções, que ficariam mais rápidas, já que os trabalhadores só precisariam conectar as peças, como em uma brincadeira de blocos de montar. Outra vantagem trazida pelo sistema é que, como os tubos de papelão são vazados, é possível passar todas as instalações elétricas e hidráulicas por dentro deles, sem a necessidade de ficar exposto.

Inspiração e avanços

Foto externa das pesquisadoras que estão posicionadas em frente à placa da Faculdade de Tecnologia da Unicamp. As pesquisadoras são duas mulheres jovens e brancas que seguram nas mãos o dispositivo para construções sustentáveis que foi desenvolvido. Fim da descrição.

As pesquisadoras Gerusa de Cássia Salado e Nathália Schimidt Dias na Faculdade de Tecnologia da Unicamp.

As pesquisadoras contam que a inspiração para o uso de tubos de papelão veio do arquiteto japonês Shigeru Ban, que utiliza o material em seus sistemas construtivos e é estudado por Gerusa há muitos anos. Contudo, diferente do arquiteto, que prefere construir de forma artesanal, a dupla buscou o caminho da industrialização. “O Shigeru Ban é um arquiteto japonês e, assim como sua cultura, ele faz tudo muito artesanalmente. Nós, ocidentais, já gostamos de grande escala, de industrialização”, comentou a professora.

Além disso, durante sua pesquisa, Nathália também observou que para cada construção o arquiteto utilizava diferentes tipos de ligações e de materiais para os conectores. “Acabamos notando que para cada construção ele utilizava um método e material diferentes, como madeira, aço ou tiras de tecido. Então nós vimos que haveria a possibilidade de desenvolvermos um sistema que fosse mais fácil, tanto do ponto de vista da produção da tecnologia, quanto do ponto de vista da montagem”, explicou Nathália.

Sendo assim, segundo Nathália, o diferencial da invenção foi justamente o aparato de ligação, que consegue se adequar a praticamente todas as situações de projeto. “O dispositivo serve para fazer a conexão entre todas as peças, de todos os pontos do processo construtivo. Você tem uma peça única, que também pode ser fabricada industrialmente em larga escala, que resolve a obra inteira, conectando todos os tubos de papelão e servindo também de ponto para fixação dos painéis. O conector também serve para ancorar a construção no solo, fazendo a base, e também para prender a cobertura”, explicou a pesquisadora.

O conector desenvolvido para este sistema construtivo tem grande potencial para a produção industrial e em larga escala, sendo ideal que a confecção seja realizada com ligas metálicas ou polímeros de alta densidade. “Isso agilizaria a fabricação, que poderá ser feita em impressoras 3D, viabilizando construções práticas, rápidas, leves, baratas e limpas”, disse Gerusa.

Para o desenvolvimento e projeto do sistema construtivo com tubos de papelão foram utilizados softwares de modelagem 3D, como AutoCAD e 3DS Max. Como próximos passos, as pesquisadoras visam a construção de uma célula teste. “Uma parceria para essa testagem seria muito bem-vinda. Um próximo e último passo para certificarmos na prática a eficiência do sistema construtivo”, comentou a professora. 

Resistência e durabilidade

O papelão, apesar de parecer um material frágil, se for dimensionado na forma tubular, possui uma resistência equivalente à de um tronco de árvore. “O tubo cilíndrico de papelão é como se fosse uma remodelagem da tora da árvore. Se souber dimensionar as variáveis dele, o diâmetro externo, a espessura da parede e a altura, conseguimos obter a resistência necessária para fazer os pilares das construções”, afirmou Gerusa.

Essa resistência foi comprovada em testes laboratoriais, que garantiram que a construção resiste aos principais esforços solicitantes e impactos comuns, além da instalação das esquadrias. Além disso, o sistema construtivo também suporta os elementos de mobiliário como armários e prateleiras. “A construção tem que se auto sustentar e tem que ser resistente a choques esporádicos, como uma pessoa tropeçar e trombar com a parede”, exemplificou. Contudo, as pesquisadoras acrescentam que os testes só foram feitos para construções térreas. Para empreendimentos de múltiplos pavimentos, como um prédio, são necessários novos estudos.

Sobre os cuidados, Gerusa e Nathália explicam que como o papelão deriva de celulose, ele necessita de certa proteção contra umidade. “Para que os tubos de papelão apresentem alta durabilidade é necessário que estes fiquem elevados do solo, para evitar absorção de umidade pela base, e também sejam impermeabilizados para resistir a umidade, pois mesmo recobertos pelos painéis de vedação vertical é necessário garantir que os tubos da estrutura não sejam afetados pela água em casos de eventuais vazamentos do sistema hidráulico-sanitário”, disseram as pesquisadoras. 

Aplicações e transferência de tecnologia

Entre as aplicações do novo sistema construtivo, destacam-se hospitais de campanha, escolas itinerantes e abrigos para trabalhadores da construção civil ou famílias desabrigadas após desastres, como enchentes e deslizamentos. O sistema construtivo de tubos de papelão com o conector faz parte do Portfólio de Tecnologias da Unicamp e está disponível para licenciamento. 

Empresas e instituições públicas ou privadas podem licenciar a propriedade intelectual desenvolvida na universidade. Esse contato é realizado diretamente com a Inova Unicamp. Além do acesso a tecnologias de ponta e a possibilidade de pesquisas em parceria com a universidade, a transferência de tecnologias reduz riscos associados ao desenvolvimento de novos produtos e processos inovadores.

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