Sementes selecionadas de carqueja e macela ampliam condições de uso comercial e de preservação

O pesquisador Ilio Montanari Junior, um homem branco de meia idade, com barba e cabelos grisalhos está em meio a um campo de flores amarelas e miúdas. Fim da descrição.
Pesquisador do CPQBA Unicamp fez o melhoramento das sementes de duas ervas largamente usadas pela indústria e que enfrentam risco de desaparecimento. As cultivares foram licenciadas pela Isla Sementes com apoio da Inova Unicamp.

Esta reportagem compõe a série Prêmio Inventores 2023

Texto: Christian Marra | Fotos: Pedro Amatuzzi – Inova Unicamp

A carqueja e a macela são duas ervas muito consumidas no país. Ambas são coletadas diretamente da natureza onde quer que as suas plantas se espalhem pelos terrenos. A carqueja é apreciada pelas suas finalidades medicinais, sendo muito consumida na forma de chás ou infusões. A macela, por sua vez, também tem consumo medicinal, além de usos como ornamento de ambientes e estofo de almofadas e travesseiros. Ambas podem ser facilmente encontradas nas prateleiras dos supermercados brasileiros, em muitos casos, comercializadas por indústrias de grande porte.

Apesar desse intenso consumo, a carqueja e a macela não são cultivadas para fins comerciais, por uma razão muito simples: até o momento, não há sementes apropriadas para isso. Todas as ervas de carqueja e macela disponíveis no mercado provêm da coleta realizada na natureza, sem nenhum controle e regulação de sua oferta. E isso vem colocando em risco a preservação de suas espécies, a Baccharis trimera e a Achyrocline satureioides, respectivamente.

A saída natural não seria coletar sementes da natureza e cultivá-las para consumo? “Não daria certo”, explica o pesquisador Ilio Montanari Junior, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas da Universidade Estadual de Campinas (CPQBA Unicamp).

“O processo agrícola requer homogeneidade genética das sementes. Quando elas são coletadas na natureza, apresentam uma grande variabilidade genética e as plantas oriundas destas sementes serão muito heterogêneas, com diferentes ciclos, porte, arquitetura, resistência a pragas e doenças, composição química etc., o que pode inviabilizar a produção”, completa Montanari.

“Além disso,” – continua o pesquisador – “sementes colhidas na natureza apresentam o que chamamos de dormência, uma característica das sementes de germinarem de forma imprevisível, cada qual a seu tempo. Para a agricultura, convém trabalhar com sementes que germinem rapidamente e todas de uma só vez, de maneira uniforme. O trabalho de seleção das cultivares inclui essa seleção, ou seja, reduzir a dormência para se trabalhar apenas com sementes com rápida capacidade de germinação, o que aumenta a eficiência do processo agrícola.”

Pesquisa de melhoramento das cultivares levou cerca de 15 anos

O pesquisador está em ambiente de viveiro de mudas. Ele está levemente inclinado para frente, enquanto mexe nas folhas de uma planta que está sobre uma bancada onde há vários vasos. O homem veste shorts e camiseta branca, têm uma pochete na cintura e óculos no rosto.

Na pesquisa, foram necessárias pelo menos dez gerações de plantas da carqueja e da macela para sua seleção e aprimoramento, que resultaram em sementes prontas para o plantio comercial.

Por todas essas razões, o pesquisador iniciou as primeiras pesquisas para selecionar as sementes da carqueja e da macela. As duas ervas já eram, desde então, muito consumidas no país e suas propriedades medicinais eram bem conhecidas, integrando a farmacopeia brasileira:

“As pesquisas de melhoramento das sementes levaram cerca de 15 anos. Foram pelo menos dez gerações de seleção e aprimoramento das ervas, que resultaram em sementes prontas para o plantio comercial”, detalha Montanari.

A partir dessas amostras de sementes selecionadas, as ervas não somente se tornam viáveis para cultivo comercial como suas espécies podem ser mais protegidas, pois elas têm potencial de dispensar a coleta extrativista desenfreada. Montanari explica que “quando você tem sementes selecionadas, é possível incluir a planta em uma cadeia produtiva. Você tem oferta e demanda controladas e isso elimina o risco da coleta desordenada, que ameaça a preservação de suas espécies. Com as sementes selecionadas, a carqueja e a macela podem ser inseridas no processo comercial, tanto na cadeia alimentícia quanto na farmacêutica e na cosmética. Com os resultados dessa pesquisa, podemos afirmar que conseguimos ‘domesticar’ essas plantas, trazer para perto do ‘domus’, da casa.”

Ele conclui afirmando que “essas são as primeiras cultivares de plantas medicinais brasileiras. Esperamos que este trabalho aponte o caminho para que outras espécies da nossa biodiversidade possam se inserir em cadeias produtivas, de forma sustentável, fornecendo matéria prima de qualidade, em quantidades previsíveis. E assim, transformadas em produto acabado, possam chegar à população”.

Sementes podem checar ao mercado até 2024

Foto das flores da macela entre as mãos do pesquisador. A macela tem flores miúdas cor de palha.Fim da descrição.

A macela é muito usada para consumo medicinal, ornamento de ambientes e estofo de almofadas e travesseiros.

A pesquisa de Montanari, cuja proteção da propriedade intelectual das cultivares e seu licenciamento contaram com suporte da Agência de Inovação Inova Unicamp, já encontrou uma parceira comercial para oferecer as sementes da carqueja e da macela no mercado: a empresa gaúcha Isla Sementes, licenciada para propagar as sementes selecionadas e que já recebeu as primeiras amostras para serem cultivadas. A engenheira Diana Werner, presidente da Isla, comenta como começou essa aproximação:

“Há uns seis anos, visitei a Unicamp e conheci o trabalho do Ilio Montanari. Seu melhoramento das sementes da carqueja e da macela nos impressionou e veio de encontro a duas de nossas preocupações: primeiro, proporcionar o acesso dos microprodutores a dois novos produtos de qualidade, que poderiam ser incorporados em suas áreas produtivas; além disso, para nós é sempre importante oferecer aos microprodutores uma maior diversidade de cultivos, permitindo que eles tenham acesso a novas opções para suas atividades. Foi uma questão de tempo e de resolução dos trâmites para começarmos a cultivar essas novas sementes”, lembra Werner.

A engenheira também explica que as sementes já foram cultivadas nas instalações da Isla e se encontram, no momento, em fase de propagação para ganhar escala comercial. “Tão logo isso seja concluído, as sementes da carqueja e da macela começarão a ser comercializadas. Esperamos que isso ocorra até o final de 2024”, estima Werner.

PRÊMIO INVENTORES 2023

logo do Prêmio Inventores nas cores verde claro e azul. O desenho são duas cabeças que formam uma lâmpada e embaixo o texto Prêmio Inventores UnicampINVENTORES PREMIADOS NESTE LICENCIAMENTO:

Ilio Montanari Junior foi premiado na categoria Propriedade Intelectual Licenciada no Prêmio Inventores 2023.

PROGRAMAÇÃO DE HOMENAGENS

Esta reportagem integra a série de matérias elaboradas pela Inova Unicamp a respeito de algumas das tecnologias da Unicamp licenciadas. Você pode acessar esses conteúdos tanto através do site da Inova quanto em formato de ebook na próxima edição da Revista Prêmio Inventores, programada para ser lançada em setembro.

Além disso, um webinar já está programado para o dia 13 de setembro, com o tema “Negócios de base científica: Tecnologias da Unicamp na sociedade”. A inscrição para o evento é gratuita e está aberta ao público em geral.

Os patrocinadores do Prêmio Inventores 2023 são: ClarkeModetFM2S; Interfarma; e Antoniense