Pesquisa Fapesp | Novos materiais: Roupas eletrônicas

Produzidos pela AG Têxtil, fios de algodão embebidos em partículas de carbono e prata acendem uma pequena lâmpada.

Pesquisadores desenvolvem botas, luvas e tecidos que geram calor, podem recarregar o celular e até se transformam em tela sensível ao toque

Texto: Revista Pesquisa Fapesp

Sentado diante de uma bancada do laboratório, o engenheiro têxtil André Correa Marcilio junta as pontas de dois fios de algodão em uma pequena lâmpada, que imediatamente acende. O segredo está nas partículas de carbono e prata condutoras de eletricidade impregnadas nos fios. Diretor da AG Têxtil, fabricante de tecidos especiais de Americana, interior paulista, Marcilio conta que planeja utilizar os fios de algodão condutores de energia para fazer uma almofada capaz de funcionar como controle remoto. Ela terá botões bordados sensíveis ao toque que permitirão, por exemplo, comandar uma smart TV.

Os fios especiais enrolados em um novelo são parte de um campo da engenharia têxtil chamado de eletrônica vestível. O objetivo da empresa é desenvolver e produzir tecidos ou películas flexíveis capazes de conduzir eletricidade, da mesma forma que os fios convencionais de cobre. Esses materiais, inofensivos a quem os usa, já começam a ser utilizados em roupas, calçados e acessórios, que ganham novas funções. Levi’s e Google, por exemplo, criaram uma jaqueta capaz de controlar o celular por meio de um dispositivo com uma antena Bluetooth e uma bateria, colocados no punho removível. Lançada em 2019, a jaqueta não é mais vendida no site da loja.

A AG Têxtil fabrica uma bolsa de praia com uma bateria e uma antena bluetooth que pode se conectar ao celular e reproduzir música em um alto-falante embutido na bolsa. Em um futuro um pouco mais distante, devem surgir tecidos capazes de produzir e armazenar eletricidade para carregar um smartphone ou sensores que medem batimentos cardíacos e pressão arterial.

Outro exemplo vem do Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias da Universidade Estadual de Campinas (CCSNano-Unicamp): uma película flexível de nanografite combinado com silicone com propriedades condutoras, usada na palmilha de uma bota, com a qual se pretende aquecer os pés de quem trabalha sob temperaturas baixas, como em frigoríficos. A tecnologia inovadora está em fase de licenciamento para uma empresa, que pretende fabricá-la em escala comercial.

Protótipo da Unicamp: bota com palmilha capaz de produzir calor (Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP)

O físico Stanislav Moshkalev, coordenador da pesquisa, planeja usar apenas componentes nacionais, para reduzir o custo em relação a similares importados. Mesmo sobrepostas, as películas podem ser dobradas sem se rasgar, com propriedades condutoras próximas às do grafeno, um material mais caro, como detalhado em um artigo publicado em abril de 2023 na revista científica Frontiers in Nanotechnology.

Na palmilha, a película está coberta, de um lado, com espuma sintética e, de outro, com um material conhecido como tecido não tecido (TNT), composto por fibras e polímeros. Um fio de cobre conduz a eletricidade das pilhas recarregáveis instaladas em um bolso externo no cano da bota à película. Ela é capaz de permanecer aquecida a uma temperatura de cerca de 30 graus Celsius por até sete horas. Não há risco de choques porque a tensão não passa dos 12 volts (V).

Uma das dificuldades da inovação foi ligar a pilha à película. “O silicone não segura a solda entre conectores da película e dos fios de cobre por muito tempo. Tentamos colar e costurar, mas a ligação se perdia”, explica a química Silvia Nista, que integra o grupo da Unicamp. A solução que os pesquisadores encontram foi desenvolver uma nova forma de soldar, ainda sigilosa, para a qual se solicitou o registro de uma patente. “A película com esse novo tipo de solda poderia ser usada para gerar calor em luvas e capacetes de motociclistas ou mesmo em tratamentos terapêuticos”, comenta Moshkalev.

Os fios condutores de eletricidade da AG Têxtil foram desenvolvidos em parceria com o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), em Campinas, interior paulista, com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP. Marcilio conta que tentou comercializá-los, mas só apareceram interessados em produtos prontos. “Uma empresa queria centenas de bolsas com logos que acendiam; outra, assentos de carros que pudessem ser regulados por meio de botões bordados sensíveis ao toque; e uma terceira roupas de cama com sensores que monitorassem o sono das pessoas”, ele relata.

Jaqueta da Levi’s com bolso para celular, controlado por sinais enviados por um dispositivo removível colocado no punho (Jacquard Google)

Não havia, porém, como atender a esses pedidos. “O gargalo está no escalonamento da produção para atender ao volume dessas demandas”, observa a química Renata Nome, responsável pelo desenvolvimento dos fios. Após pesquisa de mercado que fez parte de um curso de empreendedorismo promovido pela FAPESP, ela e Marcilio preferiram produzir bolsas e almofadas que pudessem abrigar esses componentes.

Dispositivo removível no punho da jaqueta da Levi’s (Jacquard Google)

Na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), campus de Juazeiro, na Bahia, o engenheiro eletrônico Helinando Pequeno de Oliveira procura justamente criar tecidos e películas que possam gerar sua própria energia, sem a necessidade de pilhas e baterias.

Desde 2019, Oliveira e sua equipe desenvolvem protótipos de componentes feitos com tecidos e películas que captam a energia mecânica, como a gerada pelo movimento do corpo. São os chamados nanogeradores triboelétricos, também conhecidos pela sigla Teng (triboelectric nanogenerators).

Esses dispositivos transformam a energia eletrostática (gerada por cargas elétricas estáticas e armazenada na superfície de objetos ou do corpo) em corrente elétrica, por meio do atrito gerado pelo contato constante entre duas superfícies. Geralmente uma das superfícies é um polímero e a outra algum material capaz de realizar a troca de cargas entre elas (uma fica positiva e a outra negativa). Os primeiros protótipos foram criados por pesquisadores chineses em 2012.

O grupo da Univasf desenvolveu uma película triboelétrica flexível feita de PVA, um polímero sintético, com a fibroína, uma proteína extraída da seda. Em um experimento, a película foi pressionada, com movimentos repetidos para gerar energia elétrica, contra um filme transparente de silicone – um diferencial, já que geralmente esses dispositivos têm uma segunda camada de metal.

“Chegamos a um material com quase 70% de transparência, alta condutividade e tensão gerada de até 172 V. Com a eletricidade fornecida, é possível acender até 56 lâmpadas LED e alimentar pequenos dispositivos eletrônicos”, conta Oliveira, que detalhou esses resultados em um artigo publicado em janeiro de 2023 no periódico científico Nano Energy. Segundo ele, no futuro, as principais aplicações de nanogeradores desse tipo seriam em calçados, já que uma caminhada produz o movimento contínuo necessário para gerar energia suficiente para carregar um celular.

Outro problema, além de gerar energia, é armazená-la. Com esse propósito, Oliveira criou linhas de algodão condutoras e quimicamente modificadas para servir como eletrodos e funcionar com supercapacitores – dispositivos capazes de estocar energia. Nesse caso, gerada pelo movimento do corpo.

Os fios de algodão se tornaram capazes de produzir e armazenar energia após receberem uma camada dupla de nanotubos de carbono e grafeno, coberta por um polímero plástico. Conforme descrito em um artigo publicado em abril de 2018 na revista ACS Applied Materials & Interfaces, dois fios, um com carga positiva e outro negativa, separados por uma cola de hidrogel, são costurados a uma luva, que também aquece e tem propriedades antibacterianas.

“O polímero que reveste os fios armazena a energia para uma descarga com duração entre dois e seis minutos”, diz ele. Seu plano é criar dispositivos que sejam capazes de manter a carga armazenada por mais tempo. À medida que avançar, essa técnica poderia ir além da indumentária. “Poderia integrar marca-passos, alimentados pela movimentação do próprio corpo, dispensando a troca de bateria”, vislumbra Oliveira.

Com o tempo, as roupas ou a própria pele podem também se tornar um cabide de dispositivos que acompanham a saúde. No Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), o físico Osvaldo Oliveira Júnior fez um biossensor que analisa o teor de ureia do corpo por meio do suor, importante para acompanhar o funcionamento dos rins, como detalhado em um artigo publicado em março na revista Biosensors and Bioelectronics.

Bolsa de praia da AG Têxtil com bateria e antena bluetooth que pode se conectar ao celular e reproduzir música (AG Têxtil) 

Em formato de adesivo, o biossensor é feito de uma camada de PVA com eletrodos de carbono flexíveis. Ele combina um sensor de ureia e outro de pH (potencial hidrogeniônico, que mede a acidez ou a basicidade de substâncias), que permitem a análise da ureia por meio da acidez detectada no suor. “Como há uma variação dos níveis de acidez de uma pessoa para outra, o segundo sensor corrige as oscilações e fornece dados mais precisos para um computador, que ainda precisa ser conectado ao adesivo por meio de fios”, explica Oliveira Júnior. Uma próxima etapa seria fazer com que esse biossensor conseguisse enviar os dados sem precisar de cabos.

As pesquisas internacionais, segundo o pesquisador do IFSC-USP, indicam que há três grandes áreas para os dispositivos vestíveis se desenvolverem. “Uma delas é a saúde, com sensores capazes de monitorar diversas propriedades do corpo por meio do suor e outros fluidos.” Há 20 anos, seu grupo explorou formas de agregar novas funções aos tecidos ao desenvolver um protótipo com nanopartículas de prata com propriedades bactericidas e outro antiodor.

Os outros campos com potencial de aplicação, descritos nesta reportagem, são dispositivos eletrônicos atrelados a vestimentas, sapatos e acessórios que permitem gerar e armazenar eletricidade por meio de roupas e outros vestíveis capazes de regular a temperatura do corpo em ambientes muito frios ou muito quentes, de preferência sem pilhas e baterias.

No final de junho, a Nike anunciou uma jaqueta esportiva com um sistema de ventilação que se adapta automaticamente ao corpo do usuário. Segundo o site da empresa, a peça tem pequenas aberturas sensíveis à umidade que se abrem quando o suor se acumula na pele, para melhorar o fluxo de ar. Quando o corpo esfria e o suor seca, as aberturas se fecham. Esse movimento decorre de um filme, costurado nessas aberturas, que reage à umidade, contraindo ou expandindo de maneira autônoma ao entrar em contato com o suor. O objetivo é ajudar corredores e atletas a lidarem com um problema recorrente: regular a temperatura do corpo enquanto praticam esporte.

Projeto
Filamentos eletricamente condutores incorporando nanomateriais e aplicações em eletrônica têxtil (no 19/10547-3); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Renata Cristiano Nome (AG Têxtil); Investimento R$ 519.136,38.

Artigos científicos
NISTA, S. V. G. et al. Flexible highly conductive films based on expanded graphite/polymer nanocompositesFrontiers in Nanotechnology. abr. 2023.
CANDIDO, I. C. M. et alPVA-silk fibroin bio-based triboelectric nanogeneratorNano Energy. v. 105, 108035. jan. 2023.
LIMA, M. A. P. et al. Multifunctional wearable electronic textiles using cotton fibers with polypyrrole and carbon nanotubesACS Applied Materials & Interfaces. v. 10, n. 16. abr. 2018.
IBÁÑEZ-REDÍN, G. et al. Wearable potentiometric biosensor for analysis of urea in sweatBiosensors & Bioeletronics. v. 223, p. 114994. mar. 2023.

 

Matéria original publicada pela Revista Pesquisa Fapesp.

 

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