Microscópio amplia em três vezes a capacidade de coleta de luz

Foto colorida focada em parte de um microscópio que emite luz verde. Fim da descrição.
Equipamento desenvolvido no IFGW abre fronteiras na área da nanociência
Texto: Tote Nunes | Fotos: Antonio Scarpinetti | Edição de imagem: Paulo Cavalheri

Depois de quase 10 anos de trabalho – entre a ideia e sua implementação –, um grupo de cientistas do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp concluiu, neste ano, o desenvolvimento de um microscópio que pode se transformar num marco nas pesquisas que tratam da obtenção de imagens de estruturas atômicas e moleculares, abrindo novas fronteiras na exploração da nanociência.

Liderado pelo físico e professor Luiz Fernando Zagonel, o grupo desenvolveu um dispositivo que amplia em pelo menos três vezes a capacidade de coleta de luz do microscópio de varredura de tunelamento (STM – Scanning Tunneling Microscope), um tipo de equipamento que permite a captação de imagens em escala atômica.

A inovação poderá proporcionar um salto em pesquisas, como as que envolvem materiais para células fotovoltaicas, e já se tornou uma ferramenta para o estudo de materiais que podem ser essenciais nas próximas gerações de LEDs. O novo microscópio será importante, ainda, em investigações sobre os pontos quânticos – partículas de semicondutores extremamente pequenas –, ou mesmo para o estudo das perovskitas, uma nova classe de materiais que poderá permitir aplicações voltadas para a geração de energia elétrica a partir da luz solar.

Além de Zagonel, o trabalho contou com a contribuição dos pesquisadores Ricardo Javier Peña Roman e Yves Maia Auad, que obtiveram os seus títulos de doutor, respectivamente, pela Unicamp e pela Universidade Paris Saclay.

O invento dos cientistas da Unicamp foi licenciado em 2021 e lançado neste ano pela RHK Thecnology, uma empresa especializada na fabricação de microscópios de alto desempenho, com sede em Michigan, nos Estados Unidos. Além disso, ganhou o prêmio Inventores 2022, promovido pela Inova Unicamp, na categoria Tecnologia Absorvida pelo Mercado.

“Esse prêmio é um reconhecimento de que o projeto foi bem acolhido pela comunidade, tanto por cientistas como pelo setor empresarial, com publicações científicas de alto impacto e duas patentes, sendo uma licenciada”, disse Zagonel, que é professor no IFGW desde 2013. “Trata-se de uma empreitada de sucesso, atestando que as atividades de pesquisa tiveram um impacto muito significativo não apenas dentro da Universidade, com a formação de pesquisadores e de estudantes, mas também fora dela”, prossegue.

Espero ver muitos pesquisadores, do mundo todo, utilizando o equipamento que desenvolvemos e contribuindo para o avanço da ciência

O projeto

O professor diz que o interesse pela pesquisa teve como base necessidades do mercado. “A gente percebeu que havia uma grande demanda por estudos que fossem mais precisos quanto à compreensão das propriedades óticas de materiais nanométricos. E, para isso, o microscópio ótico não é a melhor ferramenta, porque não consegue ver a morfologia do material”, explica ele.

“Para ver a morfologia de nanopartículas, outros tipos de microscópios são necessários, tais como os eletrônicos, que são muito bons, mas têm dificuldades para ver a luz. Então, pensamos em desenvolver acessórios para microscópios que pudessem detectar a luz ao mesmo  tempo em que fossem feitas as imagens com resolução atômica”, afirmou.

Apresentado à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) em 2014, e aprovado no ano seguinte, o projeto previa recursos para a compra do microscópio e desenvolvimento do acessório. O grupo de cientistas entrou, então, em contato com a empresa fabricante dos microscópios nos Estados Unidos, comprou o equipamento e iniciou o desenvolvimento do projeto.

“Acrescentamos a esse microscópio [STM] alguns elementos óticos. O principal deles foi um espelho parabólico”, conta Zagonel. Além do espelho, lentes, fibras óticas, um laser e um espectrômetro foram instalados.

A partir desse conjunto articulado, o grupo conseguiu ampliar a quantidade de captação da luz emitida pela amostra de cerca de 20% para 72% e, ainda, registrá-la. “Esse é o diferencial do acessório. Torna-se possível coletar mais luz e registrá-la com boa resolução espectral. Por isso, ele é muito mais eficiente do que os disponíveis no mercado”, explica o professor.

Foto de um homem sentado. Ele é branco, tem cabelo curto, barba e bigode curtos e escuros. Está usando camisa azul e tem as mãos cruzadas sobre as pernas.
O físico e professor Luiz Fernando Zagonel: “Havia uma grande demanda por estudos que fossem mais precisos quanto à compreensão das propriedades óticas de materiais nanométricos” (Foto: Antonio Scarpinetti)

Desdobramentos

Segundo Zagonel, o novo dispositivo será muito importante nas pesquisas desenvolvidas no Instituto, como a da amostra de nitreto de boro hexagonal. “A amostra emite luz de formas diferentes, por causa de defeitos; emite luz no UV profundo, em diferentes comprimentos de onda, cada um com aplicações diferentes. Queremos compreender como isso se dá, em que situações o material emite luz, que tipo de defeito apresenta e que tipo de emissão é feita. Isso só é possível num equipamento que, ao mesmo tempo, colete e registre essa luz e obtenha imagens de alta resolução do material”, explica.

O dispositivo poderá contribuir com pesquisas em diversas áreas do conhecimento em que se deseje estudar propriedades óticas em  conjunto com imagens da morfologia do material. “Se você quer estudar um material que tenha aplicação para fazer um novo tipo de LED, de diodo emissor de luz, por exemplo, você pode aprender muito sobre esse material ao estudá-lo nesse tipo de microscópio”, afirma o  professor.

“Você conseguirá medir a morfologia do material – com os mapas topográficos –, bem como propriedades eletrônicas e, na mesma mostra, observar a luz emitida por ela. Ou seja, é possível medir propriedades eletrônicas, morfológicas e óticas”, continua.

Assim, segundo o docente, o equipamento abre um leque enorme de possibilidades de pesquisas – seja na área da eletrônica ou no processo de produção de energia limpa.

“Os materiais que vínhamos estudando até então tinham interesse para aplicações em emissores de luz, como LEDs. Agora, estou  tentando me dirigir mais às pesquisas de materiais para células fotovoltaicas, em particular, e essa nova classe de materiais que são as perovskitas”, conta ele.

“Espero ver muitos pesquisadores, do mundo todo, utilizando o equipamento que desenvolvemos e contribuindo para o avanço da ciência em várias áreas, porque é disso que a humanidade precisa: de mais ciência para resolver os problemas sociais. Sabemos que problemas não faltam”, diz. “As possibilidades são enormes, mas as necessidades também. Estamos em um momento delicado da ciência e da humanidade. Precisamos urgentemente resolver problemas tanto em termos de energia, quanto aqueles ligados à emergência climática”, alerta.

Matéria original publicada em Jornal da Unicamp.

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